A FADA DA LEITURA

Num fragmento de sua autobiografia, As Palavras, Jean-Paul Sartre, um dos mais famosos pensadores franceses do século XX, descreve o momento em que, ainda menino, escolhe dois grossos volumes da biblioteca de seu avô e os deposita sobre os joelhos da mãe. Ela levanta os olhos de seu trabalho e lhe diz: "O que queres que eu te leia, querido? As Fadas? Ao que ele pergunta incrédulo: As Fadas estão aí dentro?"

Eu encontrei a fada da leitura dentro da cômoda da minha mãe, quando eu era menino. Sem querer, ali mexendo nas coisas dela, chamou-me a atenção uma bolsa, de aspecto antigo,com dois fechos que, cruzados, escondiam o seu conteúdo. Soltei-os e deparei-me com recortes de jornais. Eram trovas que ela recortava dos jornais dominicais e guardava na bolsa. Sentei-me e passei ali um bom tempo lendo e relendo aquele tesouro que eu acabara de descobrir. Talvez minha mãe, notando meu silêncio, tenha me procurado pela casa e, ao me encontrar, optou por observar-me a desenterrar o tesouro.

A partir de então passei a abrir a cômoda, como o pirata abre o baú para explorar todo a fortuna, como o enólogo abre o vinho para estudar a vindima, o solo, o envelhecimento.

Com o passar do tempo e depois das leituras, passei a rascunhar alguma coisa parecida com as trovas que minha mãe lia. No dia das mães seguinte, encorajei-me a mostrar-lhe uma com quatro linhas rimadas. Ela beijou-me carinhosamente e guardou-a na bolsa, juntando-a as outras. Aquilo me deixou entusiasmado a continuar escrevendo e não parei mais. Não parei nunca mais!

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 06/08/2012
Código do texto: T3816209
Classificação de conteúdo: seguro