O endereço da verdade

Em muitas ocasiões escutamos a cobrança: “me diga a verdade!” Essas ocasiões, seja quem pergunta, seja quem deveria responder, e que muitas vezes até tenta, são momentos cruciais. Aparentemente simples, a verdade está oculta. Quem pergunta geralmente não quer ouvir nenhuma que não seja de seu interesse, e quem responde quase nunca a tem literalmente. O problema é que a verdade está no inconsciente. Em domínios cerebrais fora do alcance do pragmatismo coloquial, das emergências ansiosas, das necessidades da hora. A verdade não se traveste de simples palavras. Ela se esconde nos recônditos da mente determinada e conveniente, esculpida pelos sonhos não revelados, pelas fantasias contidas, pelos recalques e proteções inerentes à individualidade absoluta. Não raro, alguns pedaços da verdade se desprendem da sua trincheira como fragmentos desconexos se misturando aos entulhos dos pensamentos construídos e arrumados das respostas, fazendo surgir uma obra apresentável aos ouvidos inquisidores. Em outras oportunidades a verdade não precisa de estímulo: sem permissão, ela se lança esguia e rápida aos olhos dos incrédulos interlocutores apesar da inútil negação do consciente palavrório proferido quase sempre inutilmente. A verdade tem vontade própria. Uns demoram em deixar escapar as suas, outros, carentes de habilidade, as revelam na transparência de suas barreiras de vidro. Há os que anegam para si mesmos, geralmente causando conflitos internos gigantescos. Quem está por perto recebe os vômitos, os rejeitos simbióticos e confusos das enganações estéreis da personagem. Lidar com as verdades muitas vezes é reconhecer defeitos, quando se usa o meio social como referência. Mas ela também pode ser bela e, por vezes, injustamente omitida.