Quando os ipês florescem...

Cada mês carrega em si significados históricos, crendices populares que às vezes ultrapassam séculos. Alguns destes significados Jung explicaria como sendo o “inconsciente coletivo”, isto é, a influência dos impulsos e vivências que chegam até nós através dos séculos pelos antepassados. Este inconsciente coletivo se cristaliza nos arquétipos, nas imagens universais, que contêm elementos emotivos importantes. Quando falamos, por exemplo, do mês de maio, todos pensam em noivas. Dezembro nos lembra o Natal. O presépio e a figura do Papai Noel logo surgem com riquezas de detalhes.

Era nisto que eu pensava, observando a paisagem, enquanto dirigia o meu carro em direção à fazenda. Naquele momento muitas imagens começaram a criar formas em minha mente e pensei serem elas frutos do “inconsciente individual” ou seja, a minha maneira própria de ver os significados dos meses. Pouco a pouco, foram se revelando na memória com toda a sua bagagem emotiva.

Janeiro se apresentou como o tempo de refletir sobre o que fora feito no ano que se findara e planejamento para o futuro. Tempo de revisão. Tempo de descanso. Tempo de colocar em prática os objetivos e organizar as ideias para recomeçar com mais entusiasmo. Afinal um tempo de esperança.

Em fevereiro, apesar de tudo convergir para o carnaval, não era nele que pensava. Preencho o perfil dos que buscam refúgio em ambientes tranqüilos, em músicas relaxantes, em leituras, em colóquios com o transcendente e na integração com a natureza.

Março me faz lembrar das goiabeiras carregadas, dos doces vermelhos borbulhando nos tachos de cobre, submetidos às idas e vindas impostas pela colher de pau, do seu aroma se espalhando pela casa toda; das consultas minuciosas às laranjeiras, tentando descobrir se alguma delas tinha fruto no ponto de ser saboreado. Lembro-me também de São José, o santo da devoção de meu pai. Este santo o salvara de um acidente fatal, exatamente no dia em que a igreja lhe presta homenagem. Chego a visualizar “as enchentes das goiabas” ou de São José (como eram chamadas pelas pessoas da fazenda), as famosas “chuvas de março”, como tão bem se expressou Jobim na sua música e Elis interpretou com toda a sua sensível alma: “São as chuvas de março fechando o verão...”

Abril é o mês do meu aniversário e meu batizado no dia de Tiradentes. Fui batizada cinco dias depois que nasci. De acordo com mamãe, não nasci doentinha. Pelo contrário, era gordinha e saudável. Na verdade, tinha-se urgência em ministrar os sacramentos quando os recém-nascidos apresentavam algum problema, pois os pais receavam que seus filhos morressem pagãos. Havia muito mistério em torno do destino das almas desses anjinhos... Mas creio que no meu caso era mesmo pressa que eles tinham em me tornar cristã.

Maio me lembra Maria, anjinhos, coroações e o início do frio, das tardes de crepúsculos avermelhados, que na minha infância associava-as ao frio. Se ao cair da tarde surgissem belos tons, o frio se aproximava. Sempre fui muito frienta e, quando via esses sinais, pensava: “O frio já está chegando”.

Neste momento entrei na estrada vicinal. A minha alergia imediatamente se sentiu provocada pela poeira e reagiu com uma tosse seca. Olhei a paisagem. Era bastante evidente a influência daquele período de estiagem sobre a vegetação. Afinal era agosto. Em agosto as folhas caem e voam com o vento. É como se as árvores perdessem o seu encanto. Os ventos perturbam e espalham a poeira. A seca domina os campos. Tudo parece morto, sem vida. É o tempo da espera. O verde se manifesta apenas perto das águas e o restante da vegetação fica reduzido a cores opacas.

Quando chega este mês, eu me lembro da necessidade de vacinar os cachorros. Os gatos, como são difíceis! Eles sim, sabem ser livres. Não aceitam coleiras e não há muros que os mantenham cativos. São rebeldes, donos de si. E como se sentem invencíveis com as suas unhas! São lindos, imponentes, altivos e que me perdoem os seres humanos, mas deveriam observar mais os gatos para serem mais charmosos. O jeito com que um gato olha ou se movimenta é puro charme! Ao encerrarem as pálpebras o fazem tão lentamente, que parece até que piscam.

Fui observando a paisagem triste, desoladora e vi os ipês se destacando e impondo o seu esplendor. Suas cores nos enchem os olhos de encanto e nos embriagam. Parecem tintas frescas saídas do pincel. Talvez os ipês floresçam antes da primavera para nos mostrar que a beleza está presente em todos os lugares e em todas as estações. A magia do ipê está justamente aí. No meio da poeira, das folhas secas, da ausência do verde, ele se destaca único e esplendoroso.

Cheguei ao meu destino pensando na sabedoria infinita do Criador, que nos deixa os ipês para saciar a nossa sede do belo, enquanto esperamos pela primavera...

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 06/08/2012
Código do texto: T3815818
Classificação de conteúdo: seguro