Pirofobia - Mas não se enganem, é uma história de amor;

Eu sabia que hoje não seria um bom dia. É a simples lógica das quintas-feiras, convenção tão infalível que o azar proveniente desse dia geralmente me acompanha até aos meados de domingo. Exemplo? Sábado de manhã, estou eu aqui dividindo minha atenção entre o professor com suas equações não lineares e os rabiscos que magicamente surgem nos cantos das páginas do meu livro de estudo. Seria um dia normal, com suas porções de tédio e desinteresse equilibradas de forma proporcional aos acontecimentos de um dia comum. No entanto, indo contra meus instintos de preservar a segurança da minha rotina diária, admito que hoje não é um dia qualquer. Sentada próxima de mim está a garota mais linda que eu já vi. E não pensem que vivo minha vida à base de hipérboles, acreditem, não é uma figura de linguagem: Ela é a garota mais linda que já vi. Porém não se enganem, acredito fielmente naquele ditado popular que diz que a beleza está nos olhos de quem vê. Tal ditado me conforta, visto que, caso a noção de beleza fosse igual a todos, um cara como eu não teria chances razoáveis de conseguir uma garota bonita. E não falo de uma forma negativa, sou apenas um cara normal ( conhecem bem o estereótipo [ou, numa interpretação mais precisa, a falta de]).

Voltemos à garota, por Deus, como é linda. Criou-se então uma disputa desleal com o professor pela minha atenção. Vetores tridimensionais, variações equacionarias, soma e subtração? Nada disso fazia mais sentido (e não fazia de qualquer forma) quando eu pensava na vida agora longe dessa garota. Por instinto de sobrevivência, convenção básica da humanidade, sei que algo precisa ser feito. O maior problema é que, aparentemente, algo precisa ser feito por mim. Sons guturais de apreensão e nervosismo são reproduzidos automaticamente pelo meu sistema respiratório a mando do meu cérebro que, nesse momento, mandava mensagens assustadoras para o resto do meu corpo, prevendo com a certeza de até quatro casas decimais a porcentagem de eu falhar miseravelmente na ação que eu ainda não decidi tomar. Meu coração ensaiava uma fibrilação programada, minhas mãos tremiam como se quem eu estivesse encarando fosse um dos piores serial killers americanos e o resto do meu corpo decidira ser uma boa hora para brincar de estátua, comprometendo-se de tal forma que, caso essas fossem as finais de algum campeonato da categoria, eu ganharia sem esforço algum. Não é necessário apontar o óbvio, é claro que tenho tendências ao exagero moderado, estou ciente. Pior que isso, admito que a culpada por essa situação, e um dos meus (muitos) defeitos de personalidade é a timidez. Ohhhh – taí seu suspense.

E é mais ou menos agora que soltamos a imaginação. Veja bem, nós, tímidos de carteirinha (membros do clube, com registro oficial e tudo mais) temos como lema oficial: Viva a indecisão (ou algo do tipo, lema ainda não decidido). É aquela história de imaginarmos previamente todos os resultados possíveis de qualquer interação social. E quando eu digo todos os resultados possíveis, eu realmente quero dizer todos os resultados possíveis. Coisas como “O que fazer quando a garota que você está cortejando for alvo de um incêndio não intencional” ou “O que fazer quando a garota que você está cortejando entrar em combustão espontânea” ou ainda “O que fazer quando a garota que você está cortejando NÃO entrar em combustão espontânea e você não souber disfarçar um incêndio intencional” são capítulos do nosso guia não-mais-oficial de como lidar com diversas situações reais. O livro passou para esta categoria após profunda análise de suas mensagens de cunho subliminar e a prisão do autor pela autoria de diversos incêndios criminosos. O argumento que quero transpor aqui é que não é fácil ser tímido.

Passaram-se mais de trinta minutos e tudo o que consegui com relação a essa garota é causar a leve impressão de ser um pervertido psicologicamente perturbado, encarando-a de uma forma não exatamente convencional (suspiros apaixonados, olhares esperançosos e sorrisos estranhamente contidos). Acontece que o exercício de se apresentar, na minha concepção, é muito simples: basta uma aproximação sutil, um cumprimento educado e voilá, criou-se um diálogo. Vamos ensaiar:

- Oi, eu estava sentado ali e…

- AHHHHHH – e é nesse momento que a garota se torna alvo de uma combustão espontânea e eu fico ali parado, encarando-a sem saber o que fazer.

Percebem o que pode (e talvez vá) acontecer? Culpa da minha paranoia exagerada, que se esforça para que todas as situações sejam sempre as piores possíveis (ou mesmo impossíveis, ela não liga para este tipo de limitação lógica). Acompanhem comigo o mesmo diálogo, dessa vez fugindo um pouco da realidade e agindo como se eu fosse uma pessoa psicologicamente normal:

- Oi. É a primeira vez que te vejo nessa turma, sou tão desatento assim ou você começou hoje mesmo?

- Ah, sim, é meu primeiro dia. Pedi transferência para o sábado e blábláblá…

Viram? Ninguém precisou pegar fogo para que um simples diálogo acontecesse.

Percebo que a aula estava quase no fim e que meu cérebro já havia ordenado que o restante do meu corpo não se aproximasse daquela garota, por mais que meu coração tentasse convencê-lo de que era a coisa certa a se fazer.

O professor se despede, os alunos começam a guardar suas coisas e lentamente a sala passa a se esvaziar. Mentalmente agradeço minha personalidade pelo esforço atribuído a prejudicar minhas relações sociais. Olho para o lugar onde a garota estava sentada e percebo que ela não estava mais ali. Lentamente passo a guardar meus livros, discutindo comigo mesmo uma necessária mudança de personalidade, resmungando o quanto a atual parecia não gostar de mim. Desanimado, me dirijo á saída da sala praticamente contando os passos que minhas pernas pesadamente organizavam. Ao passar pela porta, no entanto, esse ritmo mórbido muda completamente. Me deparo com a única pessoa que, naquele momento, conseguiria fazer com que meu coração batesse estupidamente mais rápido e, ao mesmo tempo, parasse completamente por alguns segundos. Era a garota.

- Oi, olha, faz um tempão que eu estava ensaiando como vir falar contigo. Minha timidez sempre consegue me convencer que algo horrível vai acontecer e eu fico com receio de que você vá entrar em combustão espontânea ou algo do tipo. Haha, muito idiota, certo? – diz a garota.

Olho para a câmera, executo aquele sorrisinho ensaiado torto para a esquerda, a cena é rapidamente cortada por uma tela preta e sobem os créditos.

Willian Sousa
Enviado por Willian Sousa em 05/08/2012
Código do texto: T3815571
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