POR TUDO QUE SE FOI



Sentei-me na pedra arredondada, observei o volteio de um beija-flor, puxei um papel amarelado, transparente, resto de tarefas escolares dos meninos, até tinha alguma escrita rabiscada nele, manejei-o com três dedos, após colocar fumo no vão canoado que eu próprio fiz depois de duas linguada para amolecer o papel e deixa-lo obediente. Usei o isqueiro, também amarelado, de pavio longo e molhado de querosene, queimei a ponta do rolão e pitei. Observei que o vento, apesar de fraquinho, fazia o fogo se apressar e queimar com gulodice o meu prazer mas deixei que ele fizesse a parte dele enquanto eu suspirava na contemplação da natureza. Busquei lá no passado, quando ainda nem tinha escola por ali, e me vi correndo para nadar nas águas claras e limpas do rio Doce, sorrindo de vida e rica de peixes que pareciam brincar sob as asas das ondinas. Revi as árvores frondosas onde, por entre as folhas, me esgueirava como um primitivo e me deliciava nas suas sombras em encostos de galhos robustos e bebendo dos chilreios enternecidos a contundir –me a alma como o próprio amor. Meditei sobre os barrancos de onde saltava para partilhar daquela liberdade , até lembrei-me pelado e descontraído, nos braços da natureza. Refiz no pensamento a flor nativa que colhi para a amada que haveria de estar a esperar num tronco seco e esquecido ao longo do caminho, onde costumavamos nos iluminar com o luar, cheirando a brisa da noite e filosofando sonhos e superstições que sonhávamos no céu e nas estrelas. O capim de verde escuro, ostentando vitalidade, em colóquios com o chão fértil, margem que continha a felicidade das águas que, salientes, se espargiam procurando um espaço maior, ainda me trazia o aroma da terra virgem.
Adormeci nos braços da saudade.
TiaoNascimento
Enviado por TiaoNascimento em 14/02/2007
Reeditado em 12/03/2007
Código do texto: T381545