HERÓI REVOLUCIONÁRIO
- À SERVIÇO DA PÁTRIA -
Era um recruta do exército, engajado a 18 de janeiro de 1964 para a prestação do serviço militar obrigatório e essa experiência marcou por demais minha passagem pelas Forças Armadas, foi quando, encerradas as beligerâncias iniciadas a 31 de março, a tropa mineira recebeu ordens para o retorno aos quartéis de origens.
Os soldados deslocados até o Rio de Janeiro, cumprindo missões, voltariam por Juiz de Fora, onde desfilariam pelas ruas centrais, em homenagem aos moradores da cidade do ilustre General Olímpio Mourão Filho, líder das Forças Legalistas.
Nosso quartel, o QG/4ªRM, foi o escolhido para recepcionar as tropas cansadas que chegariam à cidade, via bairro Poço Rico, e com destino aos quartéis do 10º e 11º R.I. em Juiz de Fora e São João Del Rey, respectivamente.
Foi um alvoroço, quando o Comandante da CIA., Cap. Pestana, dirigindo-se à tropa formada, confirmou que desfilaríamos em primeiro lugar e para tanto deveríamos estar impecáveis em nossos uniformes. Portanto, fardas limpas, coturnos e cinto brilhando, bem como o capacete e armamento. O soldado Pereira, um moreninho gordinho que era motivo de galhofas da tropa, esse era o mais motivado. Passou a tarde polindo a fivela de seu cinto e dando aquele brilho no coturno. Queria se mostrar bem bonito com sua farda bem engomada e passada.
“Vou assombrar as meninas” – Dizia ele.
Ficamos o resto do dia nos preparando para a tardinha que se avizinhava rapidamente. Às 16 horas, o caminhão esquentava os motores e aboletávamo-nos afoitamente na carroceria.
Chegamos à Praça da República, a chamada Praça das Caveiras, perto do Cemitério Municipal, e lá, permanecemos "uma eternidade", à espera das Forças heróicas que haviam sido despachadas além fronteiras do Estado, para manter a ordem ameaçada pelos "vermelhões". Já era noitinha, quando, via rádio, nosso Comandante deu ordem de marcha e aí começou um desfile inolvidável. Não esperávamos tamanha acolhida do povo juiz-forano. Ao chegar à esquina da Rua Espírito Santo, já começamos a ser ovacionados pelas pessoas que estavam sobre as calçadas, com vivas e aplausos.
Em passo cadenciado nossa Companhia chegara até à Av. Rio Branco, perto da Catedral Metropolitana de Santo Antonio, Padroeiro da cidade.
Um frio na espinha percorreu meu corpo. De um lado e outro da Avenida, o povo acotovelava-se deixando um funil por onde deslizávamos "nas nuvens".
A banda ia à frente e um bumbo marcava a cadência. Lembrávamos sempre: "Bumbo, no pé‚ direito".
Olhava de esguio para os companheiros dos lados. Era uma beleza. Todos nós, peito cheio, olhar no horizonte, pernas cadenciadas, pés batendo no asfalto e levantando um ruído surdo, que emocionava tanto a nós, como a toda a multidão.
Era incrível, emocionante, dava vontade até de chorar, quando, nas proximidades da Prefeitura, o povo, homens, mulheres e crianças, começaram a jogar sobre nós uma chuva de pétalas de flores. Eram pétalas de rosas, dálias, margaridas, flores do campo, que ficavam coladas em nosso uniforme e até nas armas. A uma voz de comando, cruzamos armas sobre o peito e no movimento milimetrado que fizemos, gritamos em uníssono:
B R A S I L !!!
As palmas irromperam instantaneamente e continuaram até quando chegávamos à esquina da Rua São Sebastião, quando, lá, recebemos ordem de "alto", para então, toda a Companhia, voltar em fila indiana até as proximidades da Catedral, onde, de ambos os lados da Avenida Rio Branco, ficamos postados, oficiais, sargentos e soldados, lado a lado, a uma distância de uns cinco metros uns dos outros, fazendo barreira à multidão para que houvesse espaço para as tropas que vinham do Rio de Janeiro, desfilar. Essas, todavia, desfilaram em viaturas. Eram caminhões e mais caminhões, todos cheios de soldados. E mais tanques de guerra, jipes e demais viaturas militares.
Hoje, não sei se aquela recepção espontânea de toda a sociedade Juizforana fora realmente preparada para nós, soldados da cidade, (pois que também tivemos nossos méritos, em missões dentro das fronteiras da cidade) ou por engano, jogaram sobre nós toda aquela explosão de alegria e júbilo, com aplausos, gritos e flores, sob os ardentes comentários dos radialistas e locutores que diziam ser a tropa que chegava de fora após cumprir papel relevante para o término da incruenta Revolução Constitucionalista de 31 de março de 1964, sob a liderança do nosso General Olympio Mourão Filho. Ah! Lembram-se do Pereira, aquele que se engalanara com esmero, para ser o soldado mais bonito da tropa?
Pois é, não se sabe porque, foi requisitado para desfilar dentro de um tanque de guerra. Dele só se via a cabeça, porque a sua farda engomada, bem passada, calça vincada, seu cinto reluzente e seu coturno brilhante, estavam, junto com o resto do seu corpo, enfiados dentro do veículo.
Foi, mais uma vez, motivo de gozações generalizadas dos amigos, que não deixaram passar mais essa oportunidade.
Somente posso afirmar que, inequivocamente, me senti herói, naquele dia/noite de 16 de abril de 1964 e tal acontecido marcou minha vida inequivocadamente em minha Juiz de Fora de então.
Vicente de Paulo Clemente – Cabo Clemente - 235 QGR/4ª RM. 4ª DI