Simples assim como o são os dias...
Por Abilio Machado
Eu vou descer pela ladeira e ver se encontro ao sopé minha companheira, mora ela numa ladeira, muitas vezes pensei que mesmo chegando assim pé com pé seria no mínimo romântico, mas o que aconteceria? Qual seria sua reação de me ver como um cachorro caído da mudança em esquina qualquer a bater-lhe com os nós dos dedos à sua porta, à sua vida de novo e lhe falar...
Falar sobre perdão sobre o quanto afoguei minha alma quando naufragamos, alma desnuda, pele rasgada, coração ensangüentado ao olhar seus olhos, marejar os meus e de tua boca surgir poesias...
O poema que verteria doce de sua língua quente e úmida, poemas escritas a muito e só agora encontrados para lhe dizer sobre aquele ontem que ainda se faz hoje e se aninha nas noites mal dormidas, nestas nossas madrugadas confusas de calor e frio...
Subiria aos seus braços como que a emergir do fundo do mar, diria a você também palavras em poesias, ficaríamos os dois a citar poetas, aquele mendigo, o precavido e o despido, falaríamos do poeta bom, do castrado e do invertebrado.
Falaríamos da poesia no beijo, dos lábios roçados, encostados na leveza do medo, por que? Por que eu seria aquele menino inocente que você beijou sob a sombra do abacateiro, sou aquele pequeno que você tomou aos braços e despiu de tudo, sou eu meigo a receber seus amores... o menino que investiu seu corpo quente ao procurarmos o mesmo abrigo no esconde-esconde...
Você seria...
Como eu cheio de medos de procurar um outro abrigo e subiríamos um dia desses de mãos dadas, andando pela rua, felizes de sorrisos aos lábios avermelhados de tanto estarem na troca insolúvel da saliva...
Andaríamos pelas ruas e eu contaria da minha vida a você, dos dias que passei longe de seus olhos e perguntaria de você, falaríamos de uma vida remota, onde um ousou machucar o outro sem raciocinar, num impulso, num acontecimento que era assim e virou assado, diria a você dos meus dias de menino, do meu bairro infantil, contaria meus segredos, deixaria você tocar na minha vida entre seus dedos, lhe diria meus lugares especiais, onde me são sagrados, lhe convidaria para escrever comigo em meu diário, e juntos colocaríamos um fim no antes e um recomeço do fim...
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