NELSON RODRIGUES. CENTENÁRIO. SHAKESPEARE.

Nelson Rodrigues teve uma vida dificílima, em todos os sentidos, para quem conhece sua dolorida biografia, de perda do trabalho, imensas dificuldades materiais, doença, desgraças como o assassinato de seu irmão com absolvição da pessoa que o vitimou, o que levou a família a uma profunda depressão, desencontros em seus relacionamentos, tendo uma filha doente de uma dessas uniões.

Tenho feito apreciações sobre a obra de Shakespeare e sua discussão sobre autenticidade, até onde há esse alcance crítico-dogmático que nunca cessará, o que evidentemente não subtrai o conteúdo da produção gigante.

Um pesquisador da alma, Nelson, cujo centenário de nascimento ocorreu agora, é um dramaturgo de ocasião como inserido na obra shakespeariana, de notáveis "tiradas" que ficaram na história, guardadas as proporções comparativas.

Suas frases atingem a realidade por vezes cômica da constatação irrespondível ao observador arguto.

Vejamos:

“Só os profetas enxergam o óbvio”.

É uma apreensão filosófica praticamente tomista, desde São Tomás de Aquino na idade média. Poucos se apercebem do óbvio.

“A morte é anterior a si mesma.”

Pode-se dizer que essa verdade é conhecida dos monges.O derradeiro desfecho, muito discutido e intangível, desperta considerações açodadas quando nada desse momento se conhece verdadeiramente, só morrendo...

“Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.”

É o dogma da evolução; não fosse o contraditório o mundo não caminharia. A unanimidade não discute, não enfrenta novas concepções, se plasma na concordância que não faz crescer o pensamento nem enriquece a vida.

“Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem.”

“Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um são Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.”

Irreverências do seu lado tragicômico. É patético, mas acontece na patologia versada masoquismo em pessoas consideradas normais.

“Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral.”

Uma gritante realidade intransponível que apanha todos esses “profissionais” no mesmo laço. E a história testemunha com tranquilidade a afirmação.

“Acho a liberdade mais importante que o pão.”

Nada mais real, vida sem liberdade não é vida. Melhor passar fome que não ter liberdade. A morte é preferível a viver sem liberdade em todos os sentidos com responsabilidade.

“Deus só freqüenta as igrejas vazias.”

Na frase se insere o silêncio das igrejas que leva à ascese e meditação.

Deus é o incio e o fim de todas as coisas na literatura universal, e a essência para quem pode perceber que não somos só matéria.

Vi em gravação na TV, ontem, programa a ele dedicado, Nelson Rodrigues dizendo que poderia jurar sobre a existência da alma, que ela existia sim, e era tranquilamente a verdadeira vida., e ele conhecia muito bem isso.

Com toda sua postura paradoxal foi extremamente religioso, e gostava de afrontar a hipocrisia social, a ponto de dizer, caminhando por Copacabana e entrevistado, que fez tudo para ser vaiado, queria ouvir as vaias, mas não conseguiu.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 03/08/2012
Reeditado em 03/08/2012
Código do texto: T3811347
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