O Debulhar do Milho
Lembro-me, quando criança, em férias no sítio de minha avó, “Sítio Varzinha”, das noites de fogueira, cada dia em uma casa, onde todos se reuniam, no terreiro ou no alpendre, para ajudar o anfitrião da vez no debulhar do milho (e do feijão); colheita do inverno.
Apesar de ser criança e do sono cedo me chegar, gostava muito de participar do “debulhar do milho”, onde tantas e variadas histórias serviam-lhe de fundo. Não raras vezes ia dormir com os dedos em rubro, já sabendo que, no dia seguinte, receberia reclamações de vovó ao ver as bolhas que surgiam: “menino, tu não tem mãos para isso!”.
A mim, todo aquele ritual era um aprendizado, uma descoberta; cada grão de milho debulhado, uma fração do tempo em que se desenrolava um novo enredo; cada pessoa simples daquela terra, um narrador, uma personagem.
E assim seguíamos, no dia seguinte outra casa, até não mais haver um só grão de milho preso ao sabugo (ou um só feijão na vagem), e nenhuma casa a visitar.
Comprazíamo-nos todos, homens e mulheres, adultos e crianças. O momento nos unia como em nenhum outro instante. A casa aberta aos amigos, o prazer ali compartilhado, não escondia interesses. Era momento de partilha, de agradecimento pelos frutos de um bom inverno.
Que saudades tenho daquele tempo!
Hoje, não sou mais criança, muitas pessoas se foram, e já não se debulham milhos.