Amor incondicional
“O anjo torto veio hoje te buscar”. A filosofia, sábia, é agora um som incompreensível, se fez noite em meu coração, e a ausência dói. Procuro e não te encontro porque não és mais matéria, estás no plano da saudade – expressiva e eloqüente. Nem tudo na vida é um diagrama lógico, Pascal, embora grande matemático, admitia também o "esprit de finesse": a capacidade intuitiva de ver com um só olhar e não num processo gradual. A inteligência do coração tem razões que desmentem o hábito de pensar que se compreende melhor quando não há a contaminação do sentimento e da imaginação. Os raciocínios conceituais coexistem com os do coração. A incapacidade de penetrar na realidade dos sentimentos é mais grave do que a estupidez do intelecto. E tu, Kika, sabias que, antes mesmo de murcha a flor, existe a saudade, sentimento da impermanência do que foge do regaço da vida. Estranha força essa da saudade!
Sabes que nós nos compreendíamos demais: tu com o nome que te dei, eu com o que me deste e nunca pronunciaste senão com o olhar insistente. Hoje estou livre, livre até para te amar em outra! A médica veterinária não mais precisará prescrever dietas, remédios, cuidados especiais, cirurgia: estou livre de ti. Ou não estarei nunca porque me ensinaste uma nova forma de amar?
Nunca me cedeste o teu passado, tua natureza para me amar. Compreendi aos poucos que, embora minha nada exigias, mas, me pedias demais. Eras um cão; exigias que eu fosse um homem.
Como tão pequena, frágil sabias me conduzir pela vida! Como tão pequena engendrava lições e sabedoria e te antecipavas aos raios de sol, como um enamorado que oferece as mãos à sua amada. Se alguém não ama um cão, deveria se perguntar por quê? Ele não traz em si qualquer angústia, mas em nós provoca uma alegria insuportável: sentir o seu existir tão perfeito! Há sempre, sim, alguém capaz de perceber os sinais maravilhosos de sua aguda perfeição; existe em cada época um São Francisco de Assis e outros em tantas dimensões.
Se não tiveste um cão, não o que serve como guarda de teu patrimônio, mas aquele que te ensina lições de vida, não encontraste ainda o amor incondicional: ferido, ele te lamberia perdoando.
Agora, somente agora, estou certo de que não fui quem teve um cão! Foste tu, Kika, que me tiveste.
Roberto Gonçalves
Nunca me cedeste o teu passado, tua natureza para me amar. Compreendi aos poucos que, embora minha nada exigias, mas, me pedias demais. Eras um cão; exigias que eu fosse um homem.
Como tão pequena, frágil sabias me conduzir pela vida! Como tão pequena engendrava lições e sabedoria e te antecipavas aos raios de sol, como um enamorado que oferece as mãos à sua amada. Se alguém não ama um cão, deveria se perguntar por quê? Ele não traz em si qualquer angústia, mas em nós provoca uma alegria insuportável: sentir o seu existir tão perfeito! Há sempre, sim, alguém capaz de perceber os sinais maravilhosos de sua aguda perfeição; existe em cada época um São Francisco de Assis e outros em tantas dimensões.
Se não tiveste um cão, não o que serve como guarda de teu patrimônio, mas aquele que te ensina lições de vida, não encontraste ainda o amor incondicional: ferido, ele te lamberia perdoando.
Agora, somente agora, estou certo de que não fui quem teve um cão! Foste tu, Kika, que me tiveste.
Roberto Gonçalves