Dia da criança
 
          O dia 12 de outubro é consagrado a criança. Numa avenida da cidade, próximo a universidade católica, lá está ela, a criança ambulante vendedora de chicletes. Lúcia, este é o nome da menina de 8 anos de idade, que, entre automóveis, buzinas e os olhos atentos no semáforo, comercializa suas pequenas gomas de mascar alheia aquele dia especialmente dedicado a ela. Lúcia não tem tempo para homenagens, muito menos para fantasiar a sua vida com coisas irreais. Seu dia começa cedo, bem cedo. Em casa deixa o pai doente e a mãe desempregada. Sobre a pequenez de seu corpo frágil, subnutrido ela assume a responsabilidade de alimentar a família.
          Lúcia se mostra desconfiada diante das câmaras de televisão. Ao ser perguntada sobre o que gostaria de ganhar naquele Dia da Criança, responde sem sorriso e com olhar triste ─ “um par de chinelos”. Sua necessidade pragmática não guarda nenhuma relação com o sonho próprio de sua idade, nem tão pouco com a ilusão desenfreada do consumismo. Pobre Lúcia ou pobre sociedade que abriga crianças sem sonhos?
          Que saudade de Audrey Repburn, de corpo esguio e postura cativante, linda, que nas telas do cinema fez a cada um de nós vassalo apaixonado do seu sorriso e olhar. Quando se pensava que o seu poder de sedução estava circunscrito à arte do interpretar sonhos, ela se torna embaixatriz da UNICEF e do amor. Substitui as telas de cinema pelo os palcos da vida. Vai aonde está a miséria e a dor. Leva em cada palavra, gesto, a sua ternura de mulher e de mãe. Beija as mães, as suas mãos e põe no colo os filhos doentes. Divide-se e se sente infeliz por ser apenas uma só. Queria mais, fazer muito mais... Disse-nos, ela, que a grande fome da humanidade, é a “fome de amor”.
          Sabemos que não existem o circulo quadrado, o tumulto silencioso ou o pecado de Deus, mas algo que conspira sistemática e silenciosamente contra a vida das crianças. Quem sabe um dia os pés descalços das Lúcias se afastem do asfalto quente e cruel do dia-a-dia da sobrevivência. Assim, as Lúcias do Brasil poderiam sonhar com balas, brinquedos e escolas... porque este é e deve ser sempre o lugar das crianças

 
Roberto Gonçalves
Escritor
 
RG
Enviado por RG em 01/08/2012
Reeditado em 12/10/2018
Código do texto: T3808024
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