Um prisioneiro nos confins deste mundo

__ Estou PRESO!!!

Gritou um jovem que estava logo ali, sentado no meio-fio, à frente da delegacia de polícia.

__ Você não está me vendo?

Perguntou com os olhos arregalados em minha direção.

__ Ah, não vê porque não quer!

De fato ele não estava preso, não havia sequer um policial por perto. Tampouco usava algemas.

Logo em seguida, berrou novamente:

__ Já disse e repito, estou PRESO!

Olhei para os lados, não vi ninguém a abordá-lo. Ele olhava para mim e sem saber porque, olhei para ele incrédulo.

__ Tem pessoas que são cegas desde quando nascem.

Balancei a cabeça como se dissesse: sim senhor!

__ Você não vai me soltar?

Fiz de conta que não era comigo, não dei bola e sai dali como havia chegado. Apressei nos passos sem olhar para trás. Depois de andar por uns cem metros, senti uma mão forte agarrar-me pelo braço.

__ Ei! Estou falando com você.

Gritou no meu ouvido. Assustado virei para trás de uma vez. Pensei que fosse perder o braço, tal a força que empregava em suas mãos.

__ Como falando comigo?!

Retruquei de imediato.

__ Preciso falar com você.

Olhei em sua direção e:

__ Você está pensando que sou salva-vidas pra ficar agarrado em mim?

__ Não! Sei que você não é... mas...

__ Mas então por que essa encheção de saco? Nem o conheço!

Baixando a cabeça, resmungou:

__ Este é o problema. Ninguém quer saber um dos outros.

__ E daí?!

Ele ficou quieto e pensativo por alguns segundos... depois...

__ Você não percebe que existem vários outros mundos e que nós vivemos no pior deles? De que adianta esta falsa liberdade se não temos pra onde ir? Você não percebe que estamos invertendo os nossos valores morais? Que vivemos como ratos?! De que adianta essa máxima de que a liberdade é o direito de ir e vir, se somos prisioneiros de nós mesmos? De que adianta falar que a Justiça é para todos, se os pratos da balança são diferentes, se o pêndulo é (in)fiel, se o preto já não é mais preto, se o andarilho é apenas um prisioneiro solitário?

Já mais tranquilo e, entendendo o momento de lucidez daquele indivíduo, comentei:

__ Ah, meu amigo, faça como eu: há tempos expulsei de dentro de mim a existência humana e a expectativa de liberdade. Acredito que estamos mesmo vivendo em outro mundo, outras eras. Mas não quero falar sobre este assunto. A violência passou a ser tratada como algo banal, portanto, é preciso e necessário não sofrer antecipadamente.

__ Mas este mundo está virando uma prisão a céu aberto. Os que estão presos têm direito à comida, hora para banhos de sol, visitas íntimas e até celulares. E quais são os nossos direitos? Nós que estamos soltos?

__ Direitos? Que direitos! Isto nunca existiu. O que sempre houve foi uma expectativa de direito. Se você for um cidadão cumpridor dos seus deveres com o fisco, poderá estar a salvo, mas não livre.

Minutos depois eu disse:

__ E se você amarrar uma correte na traseira de um caminhão e passá-la pelas pernas, será que alguém vai perceber que você estará preso?

__ Vou tentar, depois eu lhe conto.

Dias depois encontrei o tal prisioneiro na porta de um mercado. Ele estava amarrado a um cachorro.

__ E aí?

__ Bem! Várias pessoas trouxeram água e comida para o Grã-fino, algumas até tentaram soltá-lo, mas ele rosnou bravamente. Acho que ele não quer mais ser livre.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 14/02/2007
Reeditado em 11/10/2017
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