Vivências
Havia 3 meses que não via meu querido netinho.
Meu filho sempre muito atarefado quase não tem tempo de vir visitar-me aqui na Instituição.
Não o culpo nem fico triste com ele por ter me colocado aqui.Também não gostaria em nenhum momento da minha vida dar trabalho à alguém.Aqui fiz amigos, até arrumei uma companheira. Minha querida Adélia e seu sorrriso fácil me fazem bem nestes meus últimos anos de vida.Estou com 70 anos e nem esperarava chegar a esta idade.
Quando estou só, começo a me lembrar de muitas épocas da minha vida.
Quando moleque adorava tomar banho de rio e pular a cerca do Seu Nemias pra catar goiabas, o velhote ficava louco comigo e meus amigos. Saímos correndo para ele não nos pegar, dou risada só de relembrar.
Na adolescência conheci meu primeiro grande amor.
Me lembro como se fosse hoje. Quando tinha 15 anos fui à uma festa de aniversário e lá conheci Helena, prima do aniversariante Tadeu que era um dos meus melhores amigos.Quando a vi pela primeira vez senti um arrepio por todo meu corpo. No decorrer da festa nos conhecemos e por sorte ela também gostou de mim. Tivemos nosso primeiro beijo e namoramos por 4 anos. No quinto ano de relacionamento resolvemos nos casar.
Foi uma cerimônia linda e minha amada Helena ainda mais linda. Tivemos 3 filhos, Artur, Graça e Paulo.
O tempo foi passando, nossos filhos crescendo, tudo corria bem até uma tarde de Agosto quando o telefone tocou em meu escritório.
Recebi a pior notícia de toda minha vida, Helena estava morta, fora atropelada quando voltava pra casa com as compras para o jantar.
Naquele momento meu mundo parecia não mais existir. Não podia aquilo ser verdade. Não, meu grande amor, não...
Infelizmente era verdade.
Com nossos filhos ao meu lado todos em pranto, demos o último adeus à ela.
Vivi dias de imensa tristeza, amargura, solidão. Mesmo sabendo que tinha 3 filhos pra cuidar.Só conseguia pensar em Helena.
Algum tempo depois, aos poucos comecei a voltar a viver. Logicamente sem aquela alegria mas ,tinha que continuar a vida.
Me vi com 32 anos, 3 filhos pré-adolescentes e sem uma companheira ao meu lado.
Decidi parar de chorar a morte de minha amada.
Saía com meus filhos para passear, as vezes os deixava com minha irmã Maria e ia à bailes.
Nestes bailes conhecia mulheres encantadoras, mas meus relacionamentos não duravam mais que alguns meses.
Com 45 anos e com meus três filhos criados e já devidamente casados, resolvi retirar o dinheiro que havia poupado por anos e decidi conhecer a Europa.
Em Paris me encantei com Amelié, Em Londres com Crystal e em Amsterdã tive um pequeno romance com Yngridy. Para quem foi apenas conhecer outras culturas, acabei também percebendo que eu não estava "morto". Eu podia voltar a amar novamente alguém.
De volta ao Brasil retomei à minha vida normal.
Neste meio tempo conheci em Londrina-PR, a bela Giovanna, descendente de italianos e que também estava curtindo a vida depois dos 40.
Nosso entrosamento e intimidade foi tanto que permanecemos casados por 10 anos.Até que ela veio a falecer devido a uma forte pneumonia.
Agora já um senhor beirando os 60 anos, conseguia assimilar com mais força a morte de alguém que eu amava..
Meus filhos sempre me visitavam todo final de semana e fazíamos um grande almoço, era maravilhoso, mas o tempo foi passando e as doenças da "melhor idade" foram chegando.
Diabetes, Colesterol e um pouco de falta de memória...
Aos 65 anos, após algumas brigas com meus filhos que diziam que eu era teimoso, Paulo, o mais velho me trouxe a este asilo.A alegação foi que aqui eu teria cuidados o tempo todo. Logo eu que cuidei dos 3 com toda dor e sofrimento.
Relutei, mas aceitei, afinal cada um dos 3 tinha sua vida e não queria incomodá-los.
Com os anos as visitas foram se tornando menos frequentes. Graça e Artur faleceram num acidente de carro.
Perdi 2 filhos de uma só vez. A dor era terrível, mas sabia que um dia ainda ia encontrá-los em "algum lugar".
Só restava Paulo...
Sempre muito carinhoso ajoelha-se toda vez pedindo perdão por ter demorado a aparecer.
E sempre o perdoei.
Caio, meu neto(um dos 6 que tenho e o único que me visita) sempre ria de seu pai fazendo isso, rsrs.
Passamos longas e adoráveis horas juntos ,soltando pipa, jogando bola...
Vejo em seu sorriso toda minha história até aqui.
Mesmo tendo lhes contado todos estes detalhes(apenas alguns) de minha vida, sinto-me imensamente feliz por ter "vivido" tudo isso.
Hoje tenho muita história pra contar à Caio e ver seus olhinhos fixados prestando atenção em seu avô.
Agora vou tomar meu banho e ir ao baile da Instituição com minha querida Adélia.
Agradeço à atenção dada a este velho homem.
-Daqui a 30 minutos já estou pronto Adê querida! Calma “véia”!