Q.I.: Quociente de Inteligência ou Quem Indica?

Era uma manhã cinzenta, daquelas que te faz crer que o dia será ‘daqueles’. Ao descer até a cozinha, me deparei com um bilhete: “Entrevista às 14:00 hs. Av. das Flores, 123. Não se atrase. Boa sorte. Beijos, Mamãe. PS: Mamãe te ama muito, viu?”

“Claro que me ama muito. Sou parte dela. Que coisa mais egoísta”, pensei. Mas não levei isso à frente. Não dava pra filosofar de estômago vazio, dava?

Bom, depois do café prontamente parti para mais uma aula daqueles típicos cursinhos que sempre dizem que vão lhe empregar logo, logo. O problema é que esse logo, logo nunca chega. Enfim, quando deu 13:00 hs, voltei rapidamente para casa, a fim de me arrumar para a tal entrevista. Fiquei 20 minutos apenas pra decidir que roupa iria, o que acabou privando meu tempo de comer alguma coisa. Corri até o ponto, já que minha mãe havia escrito para não me atrasar. Acho que ela deveria dizer isso às empresas de ônibus também. Fiquei meia hora no ponto, chegando à entrevista em cima da hora.

Deparei-me com uma sala pequena, cheia de jovens como eu. Uns olhavam para o relógio, outros sacudiam as pernas, outros ainda não sabiam se sentavam ou se ficavam em pé.

Tive que esperar por mais de uma hora até que um homem baixinho, narigudo, de cabelos grisalhos e de cara emburrada veio até nosso encontro, pedindo que entrássemos numa segunda sala. A adrenalina veio à tona. Eu estava suando. E acho que algumas pessoas perceberam. Encaravam-me de tal forma...!

Logo o homem baixinho se apresentou e disse que nos escolhera devido ao curso que fazíamos, já que precisavam de um profissional naquela área. Fizemos alguns testes e tempos depois, apenas eu e mais um rapaz continuamos na sala. Nessas horas você lembra de todas as orações possíveis e até as impossíveis. E deseja que alguma coisa aconteça para que seu oponente desista.

Deu início ao teste final. A tensão era grande. Mas, ao ver qual era a prova, me senti um pouco aliviado. Seguro, terminei o teste, confiante de que seria o escolhido, já que pelas poucas vezes que disfarçadamente olhei o que meu oponente fazia, percebi que ele não entendia muito bem o assunto tratado no teste. Pelo menos foi o que me pareceu. Ao sair da sala, o homem apenas disse: “Ligo amanhã para dar o resultado.”

Ao chegar em casa logo pensei que julgara o dia de forma errada. Não estava sendo um péssimo dia. Afinal, aquele poderia e acho que seria, meu primeiro emprego. Estava confiante.

Na manhã seguinte me deparei com um sol radiante. Isto me fez acreditar ainda mais que teria ótimas notícias. E não é que estava certo? Logo ligaram do curso, dizendo que o professor não poderia dar aulas. Passei, portanto, a manhã inteira vendo TV. Foi então que o telefone tocou pela segunda vez. Pensei: “É o emprego. É o emprego”. O coração palpitava, a mão tremia. Sim, se tratava da empresa. E eu gaguejava. Estava difícil dizer alguma coisa. Foi então que ouvi: “Obrigado por ter feito a entrevista, mas não foi dessa vez..” Pronto. Quando pensei que tudo daria certo, tudo deu errado. Eu não conseguia acreditar. Sabia da capacidade, digo, da incapacidade do meu adversário. Quando minha mãe echegou, contei-lhe a triste notícia. Ela, claro, me consolou. Passados alguns dias, acabei esquecendo.

***

Num dia comum desses, andando pela rua, distraído em meus filosóficos pensamentos que vi, a alguns metros, aquele homem baixinho, o tal da entrevista. Ao me aproximar, vi que conversava com alguém. E pude ouvir o que disse: “Lembra? Desde a faculdade amigos... Sim Carlos, sei que João será um excelente profissional.” Pronto. Tudo estava explicado. É claro que aquele garoto que conseguira o emprego, o tal João, era conhecido do entrevistador. Não importava mesmo o rendimento dele.

Ao chegar em casa, novamente fui consolado por minha mãe. E eis que ela me disse uma frase, uma única frase que ficará para sempre em meus pensamentos: “Na vida, meu filho, temos que ter Q.I.: Quem Indica.

E é esta a realidade. Se você quer realmente um emprego, conheça primeiro quem irá te entrevistar.

(6 de agosto de 2009)

Por Jéssica França
Enviado por Por Jéssica França em 30/07/2012
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