Os filhos da Mamma
                                              

                     Lendo os jornais de domingo,  deparo-me com notícias bombásticas  sobre os jovens da Europa do nosso século XXI. Não, amigo, não é notícia sobre jovens criminosos ou menores drogados ou serial killers, ou hackers. É algo mais prosaico, mas bem preocupante.Para mim, então, neto do Sotoviro, é altamente alarmante!
                     Calma, gente,  é claro que terei que explicar quem foi Sotoviro antes de adentrar na problemática dos jovens europeus. Sotoviro é uma corruptela inventada por uma  velha negra (antigamente, antes do politicamente correto,  dizíamos, mesmo, era preta velha), ao se dirigir ao meu avô, paraibano de boa sepa e que morava em Manaus. Ela respeitosamente, queria dizer: Senhor, Doutor, Elviro. Juntava tudo e saía Sotoviro. Alma nobre, a velha Báia, filha de ex-escravos, sempre intercedia em favor dos filhos do Sotoviro, um deles, meu pai, nos momentos em que o pai velho, como era chamado o Sotoviro pelos filhos, os repreendia  pelos seus mal-feitos e ameaçava  aplicar um corretivo rápido com alguns ligeiros cascudos nas cabeças da meninada. Lembro-me, hoje, com muita saudade, que meu falecido pai contava que inúmeras vezes saía da mesa com fome e a velha Báia, sem que o Sotoviro visse,  amassava com a mão parte de sua comida e dava para meu  esfomeado pai comer. Eram  tempos difíceis na casa do pai velho, dinheiro curto, por volta de 1915/1920. Sotoviro era advogado, politicamente sempre na oposição, o que lhe causou perseguição do Governo e os seus  clientes, por medo, foram rareando. O que sempre me causou espanto é a história que meu pai Moacyr contava. Dizia ele que o Sotoviro, ao constatar que um filho seu atingia a maioridade, na época, 21 anos, dava um aviso verbal ao filho, fazendo vê-lo que uma vez atingida a maioridade ele teria que sair da casa dos pais. Esse era o rito de passagem para a idade adulta, considerada por ele a atitude mais eficaz.  E fez isso com os quatro filhos homens, só não dando esse aviso prévio à filha mulher Araci, pois entendia ele que  filha  deveria ser protegida pelos pais a vida toda, só saindo de casa pelo casamento, o que não aconteceu com a Ará, pois  permaneceu a vida toda solteira, mas com um emprego público no cargo de Tesoureira, portanto, independente financeiramente. Nasceu, viveu e morreu na mesma casa, seguindo a legislação do pai velho. O pai velho não deixou nenhuma riqueza e como ele mesmo dizia: “não deixo bens para os filhos, mas deixo o bem principal: educação”. Homem honesto, conduta exemplar, embora duro no seu conceito de educar, talvez reflexo dos tempos rudes de moço quando vivia no alto sertão da Paraíba, andando de jegue para ir     para a escola. Seus estudos foram custeados com o trabalho duro e diário de sua mãe,lavadeira de beira de rio. Formou-se em Direito, na famosa Faculdade de Direito de Recife.
                              Tinha mais coisa interessante para falar do Sotoviro, como, por exemplo, a saída de sua casa do  filho que teve fora do casamento, fruto de uma aventura quando jovem com uma índia paraense. O filho, um caboclo atarracado,ombros largos, com 14 anos, fugiu de casa porque havia sido reprovado, pela segunda vez, no ginásio. Sabia que não poderia ter perdão e não escaparia de um grande castigo, talvez até uma surra de galho de goiabeira e não poderia contar com a velha Báia, já sem   forças para segurar o Sotoviro.  Dantino, como era chamado o menino, que aliás tinha o nome do pai, Elviro, não voltou para a casa. Depois  de três dias de ausência, chega em casa o Dantino acompanhado de um oficial da Marinha Brasileira. É que Dantino havia se refugiado em um navio da marinha de guerra, que naquela semana ancorara no porto de Manaus. O oficial foi pedir licença ao Sotoviro para que o menino ingressasse na marinha como aprendiz de marinheiro. Toda a tripulação, dizia, havia se encantado com o caboclinho, achando-o muito inteligente e todos tinham certeza que ele seria um bom marinheiro. Como o Dantino dissesse ao pai que ele queria isso mesmo: ser marinheiro, o pedido foi aceito. Era assim o Sotoviro, não que ele não sofresse, mas jamais deixava transparecer a sua dor. Era um estóico!  Dantino passou 50 anos na Marinha e reformou-se como Capitão de Fragata, pois não tinha curso superior. Era conhecido pelo apelido de Gigante, brincadeira dos colegas,  em razão de sua baixa estatura. Penso que após essa longa digressão familiar, posso retomar o  assunto de hoje: o problema dos jovens adultos europeus, tanto na Inglaterra, como na Espanha, na Itália e até na sisuda Alemanha. O noticiário informa que na Espanha a nova geração que não abandona a casa dos pais está sendo chamada de geração Ni-Ni (ni estudia, ni trabaja),  isto é, nem estuda, nem trabalha! A mãe espanhola é quem faz a cama, recolhe a roupa suja do chão e todo dia grita solenemente: “vem para a mesa, senão a comida esfria!” Na Itália, onde estão as famosas mammas, que só perdem em fanatismo pelos  filhos para as mães judias, são populares nos dias de hoje os mammoni, rapazes e moças dos 18 aos 40 anos. Todos agarrados às saias da mamma! A coisa está tão feia  que o Ministro da Administração Pública da Itália quer, através de lei,  obrigar os filhos a saírem de casa aos 18 anos. Estou de acordo. E se morasse na Itália ainda daria um nome para essa lei: lei Sotoviro. Esses meninos iam ver o que é bom pra tosse... É hilariante saber que os italianos não gostaram da idéia do Ministro, que, afinal, teve que se desdizer e confessar publicamente que já foi mammone e que até os 30 anos não sabia arrumar a cama, nem cozinhar. E completou: “finalmente vou casar aos 60 anos!”    Na Inglaterra esses meninos e meninas são chamados de kidults, obrigando o Governo Inglês a publicar uma cartilha para os pais de filhos inquilinos, com conselhos para estimulá-los a largar a barra da saia da mãe. Na Alemanha também está sendo registrado o fenômeno hotel mama e já foi tempo em que o jovem alemão tinha vergonha de dizer que ainda morava com seus pais. Não quero nem pesquisar como a coisa está em Portugal. No Brasil, há muitos anos vi o porteiro do prédio onde morava, na Tijuca, dizer que no quarto andar morava um Canguru. Já  ia fazer a denúncia  à sociedade protetora dos animais, quando fui, felizmente, impedido por minha filha mais velha, Danuza, que me disse que se tratava de um senhor solteiro que ainda vivia na casa da mãe! Será um fenômeno universal? Não estou fazendo crítica, apenas constatando um fato, mesmo porque, nas voltas que o mundo dá, quem sabe ainda voltamos ao matriarcado, ou mesmo patriarcado, com aquelas famílias numerosas e todos felizes morando na mesma casa...
                                       Sinceramente, rodeados que estamos com os mais formidáveis fenômenos da natureza, como terremotos, enchentes, vendavais, fazendo literalmente a terra balançar e ainda por cima tendo ouvido, eu mesmo,- ninguém me contou,- o inatacável Dalai Lama, uma reencarnação divina, segundo falam, dizer que não tem a menor idéia do que seja o ser humano e justificou ainda a sua ignorância:- “como posso entender tamanha diversidade de 06 bilhões de pessoas?”  E ainda deu um sorriso!   E não foi um sorriso amarelo, não! Foi um sorriso maroto!  Ora, como não podemos deixar de fazer uma reflexão, por menor que seja, vou ficar é mesmo com a teoria e a prática do Sotoviro, sugerindo que os educadores façam um estudo da biografia dele, pois tenho certeza que, pelo menos, no que diz  respeito à independência dos filhos, acabaríamos de vez com esses filhos da mãe...