Coisas da vida 


Isto aconteceu nos meus onze de idade, durante o carnaval de 1960. 

Botei na cabeça que queria sair de diabo nesse ano e enchi o saco do meu pai para comprar-me a fantasia. A grana andava curtíssima lá em casa, mas não me decepcionou o generoso pernambucano, um verdadeiro leão-do-norte. Chiou um pouco, é verdade, mas deu lá o seu jeito, como sempre. 

No primeiro dia do sujo de Marechal Hermes, assim que pus o pé na rua, o filho da vizinha, ali perto, começou a espremer-se contra a parede, branco de pavor. Orgulhoso do efeito causado pela fantasia, eu exultava de felicidade. 

“Que é isso, meu filho, é só uma máscara...”, dizia a mãe do garoto, preocupada. Piscou-me um olho divertido, cheio de falsa cumplicidade, e disse em tom de súplica: “O moço vai tirar a máscara, não vai?” 

Tirei. 

Foi pior. 

O menino abriu um berreiro medonho e só sossegou quando botei a máscara de novo. 

No dia, bateu forte. Mas hoje, revendo um velho álbum de família, dou plena razão ao pirralho. 

Agora entendo por que meu pai achava aquela despesa inútil. 


[26.2.2006]