UM VOO DA IMAGINAÇÃO
O dia amanhece menos quente, uma brisa fresca vinda do rio adentra minha janela.
Vento e brisa sempre me remetem a recordações, lustram a minha memória, e trazem a baila histórias ouvidas, saudade adormecida, imaginação incontida.
Um vento passa e desenha à minha frente, o retrato da gatinha de minha avó, que deu-se em holocausto, para proteger a vida de sua dona. O fato aconteceu, quando uma manhã minha vó Carmela estendia roupa no canteiro de buxinhos, e uma cobra estava de bote pronto para atacá-la, valentemente, a gata angorá branca, se atirou sobre o réptil, impedindo assim, que minha vó fosse picada, mas, esse ato custou-lhe à vida.
A lembrança se esvanece, mais logo outra toma forma, essa trazida por uma brisa cariciosa. Em um quadro fluídico, vejo minha mãe, a tricotar lindos sapatinhos de cores suaves, à sua volta uma luz ainda mais suave e brilhante a envolve. Deixo que lágrimas com gosto de saudade, escorram pelo meu rosto.
De repente, tanto o vento quanto a brisa cessam, e pela janela, só a paisagem habitual.
Nessa hora não hesito, e solto minha alma das amarras do corpo, e ela voa por sobre as águas do rio. Encantada me aproximo das gaivotas e vejo de perto toda beleza que possuem. Quando uma delas mergulha nas águas em busca de alimento, sem pensar mergulho também, não sinto medo, minha essência transita com folga tanto no ar quanto na água.
Assisto maravilhada a bela ave abocanhar sua presa, num lance certeiro, em seguida, ao lado dela volto à tona, e me deixo ficar, para logo alçar voo novamente.
Em dado momento, um vento me alcança, e me segreda que é preciso ao corpo regressar. Sem vontade, obedeço. Integrada novamente ao corpo, minha essência busca a magia de tudo que vi e senti, mas dentro do escafandro que me serve de morada, não consigo apreciar toda delicadeza e beleza.
Minha alma reconhece, que por ora, o corpo é o instrumento que precisa para experimentar na prática lições imprecindíveis para avançar, por isso é grata a ele, e mesmo sendo um invólucro de matéria grosseira, ela o aprecia e dele cuida com gratidão.
(foto da autora)