Cirurgia de coração
Durante um jantar em família, sentiu-se mal, e foi parar no Pronto Socorro. Depois de uma bateria de exames, chegaram a conclusão que não haveria outra saída: era operar ou comprar o caixão. O nosso paciente optou pela primeira opção.
Até então, havia ido ao médico pouquíssimas vezes. Morria de medo de injeção, e aquela idéia de ter seu tórax aberto por uma serra lhe dava frio na espinha. Nunca se preocupou com a alimentação. Para ele, alface era comida de lagarta, e o futebolzinho com os amigos, no final de semana, já não praticava desde que a esposa morrera.
Tentou aceitar sua condição cardíaca da melhor maneira que podia. Era o maior desafio de sua vida, não poderia se mostrar fraco perante os filhos e os amigos, apesar de saber da gravidade de seu estado, levava a coisa na brincadeira.
-Seu Juca, fiquei sabendo que o senhor está sofrendo do coração. É verdade?
-Que nada, é o coração que sofre comigo!
-Vai mesmo ter que fazer a cirurgia?
-É, assim como um carro, depois de anos de uso, é preciso voltar na oficina e trocar umas pecinhas gastas. Problema de válvula, sabe como é.
- Mas não precisa ficar com medo, minha tia vez uma na cabeça e tirou de letra.
-Ah, meu amigo, a minha é pior! É cardíaca. E é de cortar o coração!
O dia marcado chegou. A família decidiu ir toda ao hospital acompanhar o paciente. Já internado, não deixou de fazer piada a respeito dos trajes que foi obrigado a usar:
-Eles se esqueceram de trazer a parte de baixo, o bicho está solto aqui, e ainda tem um ventinho batendo no Pólo Sul que vou te contar...
E mais de uma vez tiveram que puxar os lençóis para cobrir suas partes.
Quando os enfermeiros chegaram para levá-lo ao Centro Cirúrgico, pegou na mão da filha e desabafou:
-Querida, estou com medo de acordar da anestesia morto.
A filha balançou a cabeça negativamente, sorriu-lhe, beijou-o carinhosamente a testa e mandou-o ir com Deus.
Juca era viúvo. Fazia alguns anos que a esposa falecera. Desde então, teve algumas pretendentes, mas disse que nenhuma das candidatas combinava com ele.
A cirurgia foi um sucesso. De válvula trocada, Juca permaneceria na UTI por alguns dias e logo, se tudo ocorresse como o previsto iria para o quarto.
Só que havia um problema. Devido a greve dos funcionários de um hospital público, todos os quartos estavam lotados, e Juca não poderia ir para casa, e não poderia permanecer na UTI, pois haviam outros pacientes esperando a vaga. A direção do hospital chamou a família e apresentou uma solução. Não muito convencional mas era o que tinham para o momento. Havia um quarto com dois leitos, um deles estava ocupado por uma paciente que havia se submetido ao mesmo procedimento de Juca. Já haviam conversado com a outra parte que concordou mediante desconto de cinquenta por cento nas diárias.
Finalmente Juca foi para o quarto.
Quando as visitas chegaram, conheceram a paciente do leito ao lado e todos ficaram amigos.
No dia da alta, uma de suas filhas se encarregou de buscá-lo. Finalmente Juca iria para casa. Chegou alguns minutos mais cedo, para arrumar as malas do pai, e encontrou a porta fechada. Abriu sem bater. Assustada olhou para uma cama vazia. Quase teve um treco quando viu que seu pai estava na cama ao lado no maior amasso. A vizinha de cama, Dona Lourdes era viúva também, e durante a internação os dois descobriram tanto em comum que não queriam perder mais tempo.
A filha de Juca só se lembrou de gritar:
-Pai! Cuidado com a válvula!
Ele levantou o pescoço e respondeu:
-Com a dela, minha filha?
-Com a sua, com a dela... Ah pai, com a duas, ora! Disse em tom bravo e virou a cara!
Depois das explicações, e das broncas médicas, saíram do hospital juntos no outro dia, com ordens prescritas de não cometerem movimentos bruscos, pelo menos, por enquanto.
Dias depois Juca se mudou para a casa de dona Lourdes, aonde tanto os dois, quanto as válvulas vão muito bem.
Queridos leitores e colegas do Recanto, estive envolvida com meu trabalho e me vi obrigada a ficar fora algum tempo, sem postar! Peço desculpas, pela ausência, e agradeço a todos que a notaram! Um abraço bem grandão!