MENSALÃO. DENÚNCIA; VISÃO DE ELIO GASPARI.

O Julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Tenho, é dogma cimentado em meu interior, a maior responsabilidade com o que falo, o que expresso. É cacoete próprio do ferreiro que não lida com madeira. Se não lido com política, se nunca participei de política, não posso perceber muito, ou não quero dizer o que percebo sobre política integralmente, pois poderia conflitar com direitos de terceiros, indo além de minha liberdade de expressão cujas balizas estão definidas na lei constitucional e nas infraconstitucionais. Tudo por ser minha jornada, minha vida, convívio permanente com as regras em geral, dizendo e requerendo o direito, e se prego ética e patrocino o direito, devo ficar em seus limites. Há órgãos destinados a promover, por suas funções, os combates devidos aos que contrariam os padrões sociais definidos em lei, em condutas nominadas criminosas.

Nesses limites faço breves considerações sobre o marcante e momentoso decisório.

Sob aspecto jornalístico nada mais é preciso dizer ao que com a autoridade que tem, insuspeita e basilar, colocou Elio Gaspari, em 29/08/07”, em coluna às fls. 7 do jornal

”O Globo”, sob o título “O Supremo Tribunal deu um salto social”. E disse bem referindo-se ao relator Joaquim Barbosa: “sua exposição, livre de juridiquês, podia ser entendida por qualquer desafortunado que assiste às sessões da Corte. Falou no idioma dos CONTRIBUINTES”, disse; caixa alta nossa.

Diz Gaspari sobre o relator: (foi) “um magistrado seco, impessoal, daqueles que não tiram prazer de ouvir a própria voz”. Leia-se, não havia vaidade intelectual em seu pronunciamento, imbuído estava, única e exclusivamente, de cumprir o dever que o destino deitou em suas mãos. Dele se desincumbiu de uma forma que gravará seu nome na história da Corte Suprema. Fez o que a lei manda fazer ao magistrado em processo de recebimento de denúncia. Foi primeiramente técnico, porém duro e enfático, a ponto do Ministro Peluso, magistrado de experiência máxima, juiz de carreira, na adesão à admissibilidade da peça inaugural, pode-se dizer, avançar no processo cognoscitivo, processo de conhecimento, mérito. Sem julgar, julgou diante da minuciosa formação da equação da denúncia, cartesiana, esquadrinhada pelo relator, retirando da gigantesca probação vestibular, elementos convincentes que fecham a relação de causalidade, tornando formal o que poderia ser tese a provar.

Proporcionou essa convicção o relator, e o fez secamente, como acentua Elio Gaspari, tecnicamente, sem arroubos intelectuais ou anelos e enfeites discursivos, retóricos, empolados como a outros podia parecer pedir o momento. Não, peremptoriamente, não. O que pedia o fato histórico, historicidade e futuro historiográfico, foi o formalizado no recebimento pelo eminente relator, apreciando a peça representativa da sociedade, falando para o contribuinte no seu verbo, interpretando e recepcionando o ofício do órgão que representa o povo, o MP, para movimentar procedimentos penais contra aqueles que incidem em antijuridicidade violando bens tutelados.

E, diga-se, houve já alongada defesa tratando-se de procedimento especial, ainda que ao vestíbulo a ação. Nesse procedimento, crime praticado por funcionário ou por particulares que respondem como se funcionários fossem, pelo princípio da comunicabilidade (peculato, corrupção ativa, etc), há defesa prévia antes do recebimento da denúncia, defesa substancial, em razoável prazo, o que é diverso em procedimento comum, onde recebe-se primeiro a denúncia, e a defesa prévia se limita monossilabicamente, após o interrogatório, em três dias, a afirmar que inexiste o crime, arrolando testemunhal.

O julgamento - embora dito pelo ex-ministro Dirceu (ouvi hoje o ex-ministro falando na TV, mais de duas vezes) que está sob suspeita, avaliação grave de uma instância sem nenhuma legitimidade, a do denunciado agora réu, porque teria sido uma decisão sob pressão da mídia, conforme veiculado por jornalista ao ouvir tal fato dito a outra pessoa ao telefone pelo único ministro de voto vencido – como tudo na vida teve as duas faces da moeda, uma a aplaudir e outra a entristecer. Aplaudir pela isenção demonstrada por Corte onde tem assento seis membros indicados pelo Presidente da República, Corte que aceita denúncia dessa gravidade contra quem foi o segundo homem da república na investidura passada e o maior artífice da eleição do Presidente; entristecer, logo que fica a impressão, sem prévios julgamentos, mas pelos fatos trazidos à publicidade, que estamos muito distantes dos ideais que ao invés de acatarem, expurgam e condenam a vontade popular como vontade de alguns, inferiores e vazios cidadãos, no que seriam seus propósitos.

Seriam os ideólogos do nada, que usam meios visando fins, o maquiavelismo bastardo contemporâneo do coletivo falso, avesso aos fins da idade média de outras conotações. Abraçariam a tese da escolha própria, exercício arbitrário das próprias razões, infectadas por mercenárias que são, onde compradores e comprados de um dos maiores bens do homem, a consciência, suplantariam a vontade do todo, como ressai da descrição da denúncia.

Tudo eixo da tese indiciariamente aceita em denúncia que descreve um rosário de crimes.

Da outra consciência que faz justiça seca e técnica, na fala de Elio Gaspari - e não se põe sob suspeita, pois ninguém pode julgá-la, não havendo tribunal competente para tanto, nem instituto processual de “exceção de suspeição”, a não ser no próprio Supremo, posta a exceção nas hora e fase legais - resulta o recebimento da denúncia. E qual é esta consciência? Funda-se nessas convicções, entre muitíssimas outras, publicadas no jornal “O Globo” em 29/09/07:

Ministro Ayres de Brito: “A denúncia é indicativa de fatos que, em tese, configuram mesmo crimes em quantidades enlouquecidas”

Celso de Mello: “A maior clientela do Supremo situa-se no Congresso”.

Nenhum argumento sério há que possa neutralizar a decisão, muito menos frágil e descabido processualmente, ficcional, inexistente, subjetivo quase beirando a transcendência, lastreado na presunção do desfavorecido pela decisão, que sendo advogado não pode desconhecer as exceções. Cabe entender a depressão do denunciado, que não vê provas contra si e afirma que nunca foi processado em quarenta anos de vida pública, sentimento compreensível de qualquer ser humano, por ter se visto irremediavelmente fulminado e reduzido em sua paixão política, bem como anseios anistiadores de seu impedimento de elegibilidade. Mas a decisão da justiça é posta e publicada para ser respeitada e não para ser colocada no oráculo da dúvida, pior, em altar apagado de deuses e sem nenhuma credibilidade pública.

Estamos a atravessar um pesadelo da república.

Que possamos acordar em dias melhores.

REEDIÇÃO SOB OUTRO ENFOQUE.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 28/07/2012
Código do texto: T3801700
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