Um defunto sinistro

Falar dos mortos deve ser pecado mortal bem cabeludo, mas não posso deixar de contar um fato marcante que aconteceu no dia do enterro do meu querido compadre. Toda a sua vida foi cercada de fatos engraçados, a começar pelo seu nome de batismo. Desde os tempos de criança, quando perguntavam qual era o nome dele, ele soletrava vagarosamente H-me-non. Ele ria dele mesmo. Contava que o escrivão não foi à escola por muito tempo, por isso seu nome era escrito de maneira diferente do usual.

Ele faleceu dormindo. Suas feições eram de uma pessoa que morrera feliz da vida. Não apresentava sinais de que houvesse sofrido qualquer desconforto. Naquela noite estava sozinho em sua casa, pois sua mulher havia viajado para uma cidade próxima como fazia todos finais de semana. Fora visitar os parentes e alguns amigos. Ele havia dito a ela que estava cansado e que, daquela vez, não iria acompanhá-la.

Como sua esposa havia viajado para passar dois dias, o corpo só foi encontrado no dia em que ela chegou. Já apresentava sinais de putrefação, já estava roxo e com o corpo dilatado devido aos gases que se formaram. Os filhos, coitados! Estavam distantes, eram casados e moravam em outras cidades. Dona Maria, como era chamada pelos vizinhos, embora chamasse Catarina (dizem que ela não gostava do seu nome), não queria que o marido fosse enterrado sem a presença dos filhos e mesmo morando em outras cidades, eles não demorariam para chegar.

O padre, um amigo da família, foi chamado para fazer a prece de corpo presente. Na cabeceira do caixão, convidou a todos que rezassem juntos um Pai Nosso e uma Ave-Maria. Em seguida, fez um breve relato da vida e ascensão do falecido. Perguntou se alguém desejaria falar alguma coisa.

O filho mais velho levantou a mão e disse:

__ Vamos abrir o caixão pela última vez.

O padre tentou tirar da cabeça do rapaz aquele derradeiro desejo, sabia que tal procedimento não diminuiria a dor da família, até porque o corpo já estava em estado avançado de decomposição. Mas o filho foi taxativo:

__ Vamos abrir o caixão.

Quando o ataúde foi aberto o mau cheiro tomou conta da casa. Ninguém sabia o que fazer. Alguns tamparam o nariz, outros saíram pela porta lateral, o sacristão saiu pela janela dos fundos. O padre para não perder a linha, saiu caminhando em direção à porta da frente e, como não tinha papas na língua, sentenciou:

__Vai feder assim lá no meio dos infernos!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 13/02/2007
Reeditado em 11/10/2017
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