Coisas do inverno, xadrez e música erudita
Por aqui vou convivendo com os estranhos tipos que me visitam e com as notícias que me chegam, além disso ainda trago algumas idéias para serem postas em prática e quando não é assim, recebo outras minhas queridas amigas, as minhas lembranças, estas, ou melhor as que valem a pena serem trazidas à tona, modéstia à parte ainda estão guardadas com bastante lucidez. É claro que procuro usufruir do presente e suas comodidades, mas inegavelmente não posso negar que sou um sujeito das antigas. Prezo muito os trabalhos manuais, vejo arte e prazer em se fazer uma ponta de lápis com um estilete, em se descascar um côco verde com um facão, aparar um talo de palha de carnaúba, amolar numa pedra ferramentas como facão, machado, foice, em resumo alguma atividade que envolva as mãos.
É, essas são práticas que vi na minha infância, atividades medievais ainda, coisas muito usadas na minha região antes da lenta chegada da industrialização. Práticas do homem do campo que, penso existirão sempre, como é o caso de se andar a cavalo, se pilotar um barco à vela, remar, andar de carroça. Todos os meus irmãos são de certa forma artesões, até mesmo a minha irmã mais velha, gosta de fazer objetos de bijuterias.
O mês está se acabando e começou o tempo do que chamamos inverno, mas não quero com dizer que vá haver essa estação por aqui. Desde antes do carnaval que começaram as chuvaradas, mas quem garante que isso vai ser constante? No sábado dia dezoito à tarde, já quase noite pude ver uma quantidade enorme de tanajuras saindo dos buracos do chão e se espalhando em voos pelo ar... no penúltimo dia de fevereiro, à tarde depois da chuva vi chegar igual enxame de abelhas, uma nuvem de formigas de asa e é grande e constante a sonorização dos sapos e grilos nas lagoas ao lado lá de casa nesse início de ano. Da mesma forma houve fortes trovoadas no começo deste bissexto da graça.
O poeta magro trouxe-me a notícia de que aqui na cidade aconteceu mais um suicídio, dessa vez foi uma mulher que se enforcou. Que drama e pena, lamento muito... uma irmâ da vítima disse-me que ela era sutilmente bem manipulada pelo marido, que coisa triste!
Sempre que posso reviso partidas de xadrez jogadas por mestres, há um cujo estilo muito me agrada pela identificação, se trata do letão de Riga Aaron Nimzovitsch que fala de centralização e bloqueio e é praticante de um tipo de jogo que acho bom tentar fazer. Esse grande enxadrista escreveu livros sobre os seus conceitos, é considerado o pai da escola hiper-moderna do jogo dos reis, faleceu em 1935, aos quarenta e oito de idade, vítima de pneumonia. Tenho muita admiração e respeito por esses mestres, mas as partidas de xadrez de amadores também são muito interessantes para mim, eu não desprezo nenhuma das que são jogadas nos torneios, e me delicio em revê-las.
Sei por leituras que no campo da música erudita existiu um outro cidadão com o qual me irmano empaticamente. Sinto essa harmonia ao ouvir suas peças, é que nelas sintonizo uma identificação pelo estilo. Trata-se do alemão Beethoven, que viveu numa época de grandes preconceitos e sofreu o mau da surdez do meio para o fim da vida. Pra completar o drama do gênio incompreendido, ele foi um irrealizado no amor... o que me leva a pensar que talvez por ter vivido em contato constante com a angústia, tenha expressado sua dor através de suas muito sentidas composições. Assisti a um documentário sobre a sinfonia heróica, em que uma pretendente do gênio se recusa a unir-se a ele, por ele não ter um título de nobreza, nem uma renda que ela julgasse suficiente, e a tal mulher ainda diz que não gosta de sua música, por achá-la barulhenta. Essa pessoa era uma viúva que desejava viver e ter paz com os filhos.
O grande músico foi também um inovador e estava bem adiante do seu tempo, segundo os estudiosos a sua natureza, ou seja o seu jeito é refletido em sua música. Suas sinfonias e concertos apresentam um vigor eloquente em certos momentos como uma sentida e desabafada fúria que chega a acelerar a respiração do ouvinte. Sinto esse tipo de criação com se fizesse parte da minha natureza, e mesmo nas minhas execuções instrumentais, eu as quero assim, fortes de vez em quando e não uma constante e linear suavidade.
Março de 2012