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VOVÔ ANTÔNIO E VOVÓ ALMIRA...
Minha avó tinha uma trança grande e vivia de coque. Era a avó com mais cara de vovó do mundo! O cabelo do meu avô era igual a neve e macio como veludo. Usava um chapéu de feltro que eu tirava toda a vez que ia visitá-lo para acarinhar os cabelos macios. Ele gostava disso. Minha avó tinha mão boa para cozinhar. Até o simples arroz com feijão preparado por ela era um banquete e tanto! Meu avô fazia orações de cura. Do corpo e da alma. Sempre que o via com um raminho em mãos, já sabia que alguém precisava de suas rezas. A casa ficava cheia de gente com pedidos de orações. Minha avó também era muito religiosa. O véu denunciava hora da missa. Meu avô gostava de fazer batidas. Um dia me deu só um pouquinho da que preparara. Estava frio e disse que me aqueceria. Era doce. Tinha gosto de chocolate e canela. Queimou-me a língua, a garganta e meu rosto ficou vermelho como se pegasse fogo. Nunca mais quis provar outras das suas misturas de pinga! Minha avó amava as plantas. Havia de tudo em seu quintal. De flores às ervas para chá. O cheiro era sempre bom. O aroma adocicado vinha das flores e os cítricos das plantas medicinais. Meu avô fumava e eu vivia apagando seu cigarro. Ele nunca brigava comigo. Ria e acendia outro. Entendia que meu gesto era carinho de neta que se preocupa com o avô que ama. Minha avó vivia bonitinha com saias e vestidos coloridos. Tinha cuidado especial com seus cabelos longos. Usava óleo de Bourbon neles. Mamãe sempre levava para ela. Ainda posso sentir o cheiro quando penso na vovó. Lembro das suas zangas quando alguma neta pegava um pouco do seu óleo. Quanta saudade boa e divertida me vem nesta minha memória! Mas nem de só boas lembranças vivo. O cigarro levou embora de mim meu avô que não entendia em sua ingênua ignorância que a nicotina, na verdade, era uma guilhotina que lhe concedeu o câncer na garganta. Pobre vovô que vi definhar com o buraco da traqueostomia. Doía vê-lo com a cânula em sua garganta, tendo dificuldade para tudo. Para comer. Beber. Falar. Respirar e viver. Estava tão difícil viver que a morte o levou de nós. Da minha vó foi triste o dia em que cheguei ao hospital e a vi sem as longas e bem cuidadas tranças. Cortaram-na! Corria o risco de contaminação e lá onde se encontrava, com seu estado debilitado era difícil manter os cabelos compridos. Não havia mais o coque sempre bem alinhado. Ali somente cabelos curtos. No lugar do aroma do óleo de Bourbon, o éter do ambiente invadia minhas narinas. Assim, de uma forma forte e fria fazia-me ver a realidade ruim. Sim, eu quis fugir daquela visão, embora adultos não possam escapar de cenas doidas. Quando criança, eu podia esconder-me em algum canto e brincar do meu faz-de-conta-que-é-sonho-depois-eu-desperto. Mas naquele momento, não. Ali no leito da minha avó era realidade a ser enfrentada. E inalando aquele odor desagradável, eu me preparava para os últimos momentos ao lado dela. E foi assim que me vi sem meus avós queridos. No entanto, apesar do triste fim que geralmente nos roubam pessoas queridas, sempre que penso nos meus avós, só coisas boas surgem em minha mente. As ruins e tristes não preciso recordar, a não ser aqui neste meu registro de amor e saudade de neta.
Adendo: Tive mais proximidade com meus avós maternos. Os paternos, só conheci minha avó que passou um tempo em nossa casa quando deixou a Bahia para nos visitar. Meu avô era falecido.