Relatos que ouço na loja

Na minha loja vendo redes e similares, mantenho contato com muita gente da cidade que gosta das coisas que eu gosto, sou visitado por músicos, enxadristas, militares da ativa e aposentados, artesãos, atores, gente interessada em ocupar cargos na administração municipal, religiosos, comerciantes... e alguns outros que de desocupados que são, gostam de jogar conversa fora pra ver se o tempo passa mais rápido. Com eles converso e a troca de idéias nos faz bem. Um dos mais assíduos freqüentadores do meu espaço de trabalho é um sujeito uns seis anos mais velho, mas que nasceu no mesmo dia de maio que eu. É um tipo magro, alto, de olhar esverdeado e passo miúdo, veste-se com a simplicidade dos idosos da época do meu avô. Sei por confissão dele mesmo que desde a sua juventude teve aversão ao trabalho, ao simples trabalho e nem falo em alguma atividade pesada nem dura. Perdeu pai e mãe cedo e foi criado por tias; teve contato com livros e esteve ouvindo preleções literárias de um velho padre da cidade. Já rapazote, não se dedicou ao aprendizado de algum ofício da roça, primeiro por preguiça e depois por desculpa de ser muito raquítico. Mas sua indiferença para alguma atividade não foi total, começou a se inclinar para cantar ao som da viola e andou cantando repente. Conheceu uma mulher, se juntaram, tiveram uma filha, foram morar na capital onde ele passava seu tempo indo às praias improvisar versos para turistas e depois parava nos sebos do centro da cidade e ficava conversando sobre livros e folheando-os. Na verdade não era um cantador perseverante e se ganhasse cedo o suficiente para comer naquele dia, botava a viola no saco e fazia rapidamente o caminho de volta, para ter mais tempo de ficar à vontade nas livrarias. Segundo ele, a sua companheira, talvez por insatisfação, começou a reclamar da situação e eles começaram a se desentender, depois, ela arranjou um emprego e só sei que por fim separaram-se. É aí que ele retorna à cidade de origem, conseguiu de um amigo um casebre numa localidade afastada, onde guarda seus muitos volumes de literatura; vive andando aqui pelas ruas e parando em alguns lugares para conversar. Diz que já curtiu muita fome tanto de comida como de prequito, que é como ele chama o sexo das mulheres mas que hoje nem pensa mais nisso. Vive praticamente da caridade alheia, alguns amigos o ajudam dando-lhe dormida e comida e ele se vale de uma irmã que mora noutra localidade onde ele passa por lá o sábado e o domingo. Me chega aqui na segunda-feira falando sobre as atrações do domingão do chato do Faustão. Nota-se que é sujeito sem vaidades, sem vícios, porém se existe mesmo os tais pecados capitais, ele infringe o mandamento que pede o labor. Uma coisa ele não esconde que é o seu orgulho e pretensão, se acha o tal em matéria de literatura brasileira, abre a boca pra dizer que é o homem que mais leu dentro da nossa cidade, orgulha-se de possuir uma vasta biblioteca dos principais autores brasileiros e alguns estrangeiros, gosta de dizer que tem os livros, e não quer muito ler livros da biblioteca pública não, ele quer que os livros sejam seus, diz conhecer a vida dos autores e suas obras, faz versos sobre o que leu e diz ser ele um seguidor da escola parnasiana. Chega a insinuar que é superior a Patativa, pois patativa não teve o conhecimento que ele tem. Seu grande herói é o escritor carioca Lima Barreto, tanto por ter sido um pária como por ter tido coragem de fazer críticas a uma sociedade hipócrita, mas ele não fala em Lima Barreto sem falar em Machado de Assis que foi um sujeito de comportamento um tanto quanto aportunista, gênio sim, porém pode-se dizer que não teve a ousadia do grande Barreto. Machado foi, segundo ele, um cauteloso aproveitador de situações. Mas aí ele já aproveita para se julgar um pouco acima do seu ídolo dizendo que ele próprio, também é um pária, mas nem por isso se entrega ao álcool como foi o caso do desventurado negro carioca, se referindo ao Lima. Chega a dizer que estamos numa época semelhante à do autor de bruzundangas, onde os formados não sabem nem conjugar verbos nem tão pouco escreverem um bilhete, mas ora vejam, são formados e ganham bem, enquanto ele, um intelectual, não tem quem lhe dê a mão nem reconheça seu grande talento. É nesses momento que dá me dá vontade de ironizar pesado com ele: É! grande não, enorme! talento para outras coisas...

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 26/07/2012
Reeditado em 02/09/2012
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