PORÕES

Dia desses, caminhando sobre minha falsa displiscência, apoiada no cansaço das magras pernas, fui atraída por uma velha e empoeirada porta. A porta que me levaria aos porões ocultos que moram em mim. Jamais havia tido coragem de adentrar qualquer um deles, por medo de não achar a saída ou quem sabe, medo de gostar da escuridão que propiciasse não enxergar a mim mesma, sei lá. Seja como for, a porta veio até mim. Já era tempo de vasculhar meus escombros, nos porões que eu sabia que existiam mas que julgava vazios. No primeiro passo porão à dentro, dei de cara com uma saudade que me veio embrulhada num papel ocre, cheio de peças confusas como num quebra cabeças da infância. Era minha primeira tarefa. vasculhar, embora com medo, a pequena poeira que embaçava o caminho. Me veio então, a primeira descoberta. Havia nascido do útero da terra. A mesma terra que contorna e conforta o rio caudaloso e triste, presente nas lembranças das coisas que julgava n]ao ter vivido. Eu havia nascido feito capim. Capim vistoso, resistente, acolhedor das águas que lavam as lamúrias do pesado, porém, encantador fardo de haver nascido do útero da terra. Fui adentrando mais e mais, embora com medo e encontrando a cada passo as escuridões e lodos e poeiras que ornavam de tristeza os meus porões ocultos. Era hora de acender as luzes, limpar os quartos e lavar os olhos. Assim fiz. Encontrei gavetas repletas de monólogos por mim escritos, outro amontoado de sonhos que nasceram e morreram n o papel. Li e reli cada um deles. Todos possíveis, mas relegados à segundo ,terceiro, último plano. me enchi de coragem e dei de lavar os olhos na tentativa de remover a poeira, como quem acaba de nascer. de certa forma, mais uma vez eu estava nascendo. Já nasci e morri tantas vezes mas não havia me dado conta do quão importante é nascer, morrer e renascer. Os porões trouxeram um tantinho, uma pequena partícula de mim mesma à tona da vida. Todos os outros meus pedaços estão lá agora, vasculhando os meus porões. Mas, quando sair, se eu sair de lá borboleta, um minúsculo inseto ou a imponente leoa, não importa, sairei de lá inteira. Terei o meu exato tamanho. O tamanho que me cabe.

Aninha viola
Enviado por Aninha viola em 26/07/2012
Reeditado em 12/05/2013
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