Sons e lembranças adolescentes
Sons, sou fascinado por eles, sejam vocais, cantigas de pássaros, animais, sons de instrumentos musicais, que estarei encaixando aqui comentários no meio do silencio à medida que eu for me lembrando. Ouço e sinto os timbres de pessoas de outras regiões. Meu ouvido vai captando chiados e pronuncias do meu país, é tanto que atrevo-me a distinguir os chiados dos cearenses, dos cariocas, dos pernambucanos, dos mineiros, e até dos sul matogrossenses. Vou exemplificar: a palavra “alma” é pronunciada por mim assim: auma, já um velho irmão Marista ao ler as leituras da missa dizia lá em Aracati: “álema” destacando a sonoridade da letra l (éle); é comum alguém de São Paulo falar: apartamiento, quando lê apartamento; alguém de Belém falar: farinnia, no lugar de farinha; alguém do Rio de Janeiro dizer Naisci , no lugar de nasci... e por aí vai, mas por falar em nascer preciso dizer da minha origem. Nasci às margens do córrego da Mata Fresca, um lugarejo que pertence à histórica cidade do Aracati no Ceará. Segundo meu pai, no tempo em que era menino, aquela região era mais habitada do que hoje.
Confesso com muita alegria e sem traumas que na minha infância não fui influenciado por tentações visuais de televisão, eletro doméstico que só vim a ver quando já estava na cidade e com doze anos ou mais e na casa dos outros. No interior, onde nasci não havia vizinhos com brinquedos ou objetos que despertassem em mim cobiça, inveja, essas coisas. O meu mundo era minha mãe, meu pai, minha irmã mais velha, alguns tios e tias e os avós. O que havia lá em casa era um rádio jonhson e a natureza ao redor da casinha com cantigas de passarinhos, grilos, sapos, aves noturnas e madrugadeiras; um luar límpido como é natural na fase gorda da lua; nas noites de breu eu vislumbrava vaga-lumes voando e piscando seus faróiszinhos. O que um menino do campo do meu tempo podia ter como brinquedo!? era roladeira de lata de leite, baladeira, berimbau, cavalo de talo de carnaúba, vara com anzol para traíra e cará, fôjo pra preá, arapuca pra bicho de pena... por eu nunca ter ouvido em outros lugares graúnas selvagens trinarem iguais às da minha região, estou convicto que o poeta Gonçalves Dias tinha suas razões ao notar que as aves variam seus gorjeios de região para região. Do córrego onde eu pescava traíras dentuças, ouvia cantigas de jaçanãs e carões. Nas águas bem rasas das margens do córrego cansei de ver piabinhas de uns três a quatro centímetros que eu matava com um corte rápido de faca dentro da água, para servirem de iscas para peixes maiores. E por falar em peixe, os tais peixes de nuvens, ou peixe anual que o rapaz natalense queria e perguntou por telefone, foram encontrados perto da cidade de Russas, no vilarejo Ingá, em lagoas quando choveu ano passado depois do carnaval. Esses bichinhos exóticos se parecem com as piabinhas que eu via no riachinho lá da Mata Fresca onde nasci.