Canções da minha adolescência
Conversar pode ser prazeroso em alguns momentos, com pode ser também incômodo, cansativo em outras situações... brincadeira tem hora, água demais mata a planta... e a gente ainda corre o risco de não ser bem entendido, digo por mim que nem sempre estou para ouvir conversas, exceto quando se trata de algo realmente inadiável e urgente como é o caso de sinceras confissões, ou num momento lúdico quando a hora pede, já jogar conversa fora quando um compromisso maior me reclama, isso não, e fim de conversa.
Nesse instante vou monologando tranquilamente e traçando o que passei, observei, senti e nessa pisada estou mesmo como que desnudando minha alma e distribuindo-a em confissões, impressões, desabafos. Com todas as características de qualquer pessoa comum e sujeita aos manjados sentimentos humanos, posso enfurecer-me, ironizar, exortar, convidá-lo a se alegrar comigo e mais sei lá o que... mas acima de tudo prometo ser muito sincero no dizer de minhas ações, sejam erros, acertos, desejos, conclusões e tudo o mais que senti e ainda sinto. Todos têm suas impressões e eu não sou diferente, por isso acho que saber de outras pessoas, coisas de outros tempos, experiências comuns, fatos do cotidiano e enfocá-los junto com o que passei e senti, vale, e não deve passar indiferente a todos, afinal a empatia é um fato e isso não é invenção minha. Usarei meu arbítrio plenamente, como hoje julgo que me convém. Estou indiferente aos críticos, aos gramáticos e ao resto dos linguarudos, meu compromisso é com quem me lê, entende e sente o que tento expressar.
Falarei de coisas do presente e igualmente rememorarei alguns antigos momentos. Sou facilmente conduzido para esses recantos do pretérito através de sons musicais. Sinto que as sensações se assemelham, independente da distância, basta eu me lembrar de algum acontecido do passado, um sentimento vem atrelado a ele. É aquela verdade do bordão popular de que recordar é viver. O que senti há alguns anos é possível se identificar com uma sensação do presente, ou até outra mais antiquada já vivida. Sinto que a música está presente em minha vida, não só como sons para um simples ouvinte, pois desenvolvi o gosto de praticá-la. Sei que isso de se recordar lugares e situações através de uma melodia acontece na vida de quem é bom ou mau ouvinte. Além disso existe música exclusiva para fazer parte de certos eventos, é o que acontece com hinos exclusivos para instituições, trilhas para filmes, novelas, academias de ginástica, bailes, sinfonias orquestradas, cantos tribais e muitas outras mais.
Relembro que em 1979, eu me encontrava numa manhã ensolarada em Fortaleza na praça José de Alencar e ia pegar a rua Guilherme Rocha na direção da praça do Ferreira. Naquele momento chegava aos meus ouvidos a bela voz de Patrick Dimon cantando a canção “Pigeon without a dove”. A melodia, os arranjos, aqueles detalhes vocais femininos e o trecho de “O Guarani” de Carlos Gomes embelezando mais ainda a já linda canção, me inspirava um estado romântico, sentimental. E eu já associava essa audição a outra que há uns três anos antes também mexeu com o mesmo sentimento, era a canção de Morris Albert “She`s my girl”. Ao ouvir essa eu me encontrava também numa praça, a do colégio Marista de Aracati e era um fim de tarde. Detalhe, essas músicas eram lançamento recentes mas o que mais me chama a atenção é que para mim naqueles dias, elas possuíam o poder de despertar boas emoções, mesmo sem eu entender nada das letras delas. Vim a saber depois, por estudos de música que a melodia por si só já fala à alma da gente, e explico: a música tem três partes que são melodia, harmonia e ritmo, pois bem a melodia sozinha, pode exercer o poder de mensageira e passar uma impressão e essa tal impressão o ouvinte pode muito bem nem saber definí-la... ou seja, ele sente mas no caso de alguém novo, este alguém pode muito bem nunca ter sentido aquilo antes... não sei como dizer isso melhor. Ao ouví-las naqueles dias, havia outras impressões no ar, cheiro de lanchonete, barulho de carros e pessoas se movimentando, mas como que a um hipnotizado, aqueles sons me arrebatavam, aquilo naqueles dias traduziam coisas para um coração inexperiente, qual sutil feitiço, de um estado feliz e sonhador de quem está a fim de encontrar ou já tem idealizado no pensamento, algo ou alguém que deseja. Naqueles instantes, sentí-me sob a emoção que elas despertavam em mim, sentia-me feliz e com a impressão de uma promessa que eu seria muito mais feliz ainda futuramente, era em resumo um bom pressentimento onde nenhuma sombra de temor se atrevia a turvar meu bom momento. Assim foi com tantas outras canções, cito mais algumas, a “my love” do Paul Mc Cartney, “olha” do Roberto Carlos que começa com um solo de cravo, “infinito” de Márcio greyck onde o sentimento é semelhante. Cito essas canções pois eram as que eu tinha acesso naqueles tempos, ou seja eu ouvia o som pela rua vindo das casas dos que podiam comprar vitrolas e discos, as internacionais não tocavam em rádio AM. Já na década de 1980 foi que conseguir ampliar meus horizontes sonoros e ouvir outros autores por minha conta. Assim também acontece com som de vozes e risos de pessoas, cantos de bichos, insetos... até mesmo com sons de sinos de igreja. Isso já vem desde os dias em que eu morava na Mata, no Aracati e em outras cidades menores e maiores por onde passei e vivi.