CENAS DO COTIDIANO
CENAS DO COTIDIANO
Quem não tem suas histórias do dia a dia para contar?
Acredito que todo aquele cidadão, necessitando sair de casa, ou para trabalhar, ou para uma compra, ou mesmo, para algum lazer, ao colocar o pé fora da porta, já tem matéria para uma história.
Não fujo à regra. Em primeiro lugar, devo confessar que sempre tive em minha conta, que ao me aposentar, jamais deixaria de ter alguma atividade. Porque, o cidadão que, ao passar para o rol dos ex (ex empregado, ex chefe, ex professor, ex empresário...), ficar sem o que fazer, torna-se um sério candidato a “ir desta para a melhor”. Tenho muitos exemplos disso. Não, não, ainda aqui, para mim, é melhor.
Portanto, ao sair de casa pela manhã, por morar em apartamento, já encontro um dos porteiros de plantão, e se for o Sebá, a primeira cena do dia, está garantida. É o próprio Porteiro Zé, figura conhecidíssima dos que acessam a Internet. Complicado, prolixo, atrapalhado, ininteligível. Não pergunte nada a ele, sob pena de sua saída estar comprometida por uns quinze minutos. Afora isso, uma boa pessoa. Moro na Álvares de Azevedo. Edifício Mônica.
Atravesso a rua com toda precaução, pois, o risco de um atropelamento, é bem grande. Superado esse obstáculo, nem bem ponho o pé na calçada, para (nova ortografia!) um carro:
- Por favor, onde fica a rua Elisa Flaquer?
Ando mais uns trinta passos, em direção à rua Oliveira Lima, onde tenho meu escritório, alguém me para:
- Amigo, onde é o fórum trabalhista?
Ao chegar na movimentada via, provavelmente encontro, ou o Benjamin Telent, do Magazine Riviera, velho amigo dos tempos do Juvenil Social Brasileiro, inesquecível time dos anos 53/54. É o Binque para uns, e Bincale para outros, irmão do Davi, também do Social. Com ele, converso mais atualidades, futebol, restaurantes, viagens. Ou, encontro o Valsenir, grande centro-médio do Social, moço simples, saudosista, quando relembramos dos antigos companheiros daquele tempo. Ele, sempre, está acompanhado de algum “boleiro”, pois, jogou muito tempo na várzea. Até lembrei-me de um, o Palheta, que todo domingo saía bem cedo de casa, com calção, chuteiras e meias na sacola, percorrendo os campos de futebol da cidade (eram muitos!), na expectativa de “tapar o buraco”, gíria usada para se definir a falta de um jogador. E, sempre encontrava. Na ponta esquerda.
Nessa altura da caminhada, após as conversas, dou uma parada. Por quê? Como que um “replay”, passam pela minha mente, cenas ocorridas naquela esquina, onde se situava o Bar Quitandinha, ponto de reunião da turma do Panelinha, local de tantas e tantas histórias. Vizinho do Cartório de Registro Civil, do Paiva, do Aggeu, do Chico Saladino. Tudo debaixo do Clube de Xadrez. E, do outro lado da rua, o Bar Esporte, do Eduardo, onde fizemos inúmeras serestas. Em minha memória, as figuras do Lunfa, do Belo e do Swingue, três habituês do local, desses que você não sabe se têm família, onde moram, de onde apareceram.
Apenas surgem!
Antes de adentrar no largo da Catedral do Carmo, passo defronte ao Edifício Quitandinha, onde fica o escritório. Desvio da entrada e sigo pela praça. Então, a decepção! Ali, obviamente, não tenho história para contar. A praça, hoje, está inteiramente tomada pelos desempregados, que se reúnem a fim de reencontrar os colegas antigos de trabalho. Outro grupo de ocupantes do local são os homens de rua, alcoólatras, que proporcionam as mais deprimentes cenas, deitados ao chão, ou sentados às mesas, com garrafas e copos de cachaça. Fazem parte, às vezes, algumas mulheres, também viciadas na bebida.
Por fim, as mulheres de programa, que usam o logradouro, na busca de ganhar algum dinheiro, não muito, dado o nível de frequentadores existentes no mesmo. E, dizem, que são de “vida fácil”.
Como se percebe, não há necessidade de muito tempo, nem de grande distância, para se colher cenas do dia-a-dia. Para tanto, não gastei mais de meia hora, e percorri, no máximo, trezentos metros.
Sem dúvida, o cotidiano é uma sucessão de acontecimentos que se desenrola naturalmente, isto é, sem a necessidade de atores, de “script”, de cenários, nem da presença de público especialmente contratado. Está à mostra dia e noite. Para quem quiser ver.
Basta ser registrado!
NOTA - Escrita em 2009