O PROIBIDO DIÁRIO SEXUAL DOS HOMENS – XVII – UM DOS FINS
“De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.”
Vinícius de Moraes
Um breve poema de Vinicíus, porque eu não sei como falar de morte. Eu já a vi muitas vezes sim, quase senti. E apesar da inevitável tristeza, apesar do eterno nada que Robertinho sempre terá (sentirá), não quero tornar as coisas piores. Com certeza vocês lembraram daquela pessoa querida, a quem não cumpriram uma promessa, ou deixaram de fazer algo possível. Com certeza lembraram-se de uma última vez, sem nem imaginar que seria.
Não se preocupem, as coisas voltarão ao normal, voltarão a ser como eram. As piadas e coisas idiotas, ogo logo estarão de volta. Mas por enquanto, por algumas próximas linhas, fiquem de luto comigo. Fiquem de luto com ele... Por ele!
O pai de Robertinho morreu. Sim, está morto. M-O-R-T-O. Você consegue acreditar? Por que isso acontece com essas pessoas? Poxa, ele era tão bacana, tão legal, há pouco Robertinho descobriu que o cara poderia ser seu melhor amigo, escola, exemplo, conselheiro. Lhe fez uma promessa, e estavas prestes a contar como fora sua primeira vez. Sua primeira relação sexual, não fosse essa tal de morte, essa maldita atrapalhar tudo.
TUDO. Era essa a palavra. Talvez tudo fosse mentira. Talvez era uma pegadinha, talvez alguém começasse a rir e contasse a verdade. E então seu pai apareceria e lhe daria um imenso abraço. Aquele abraço grande, pesado, bem confortável que só ele tinha. O mundo cabia naquele abraço. Todos os problemas ficavam minúsculos dentro daquele abraço, o nível de paz e tranquilidade aumentava loucamente. Um bem estar muito louco invadia a alma dentro daquele abraço... Aquele abraço que ele nunca mais sentiria.
E daí tem a espera. Sua mente, seu próprio abraço espera. Seu subconsciente espera. Algo que nunca mais vai chegar. Dá vontade de ir junto sabe? Mas e quem fica? Por que não é tudo uma coisa só? Por que ao invés de desaparecer quando morre, a gente não continua aqui numa boa? Ou melhor: por que a gente não fica esperando em algum lugar, e nasce. Fica pra sempre ao invés de morrer?
E como seria agora? Daqui pra frente sem essa fortaleza, o que seria?
Robertinho não se moveu. A tia o abraçou o mais forte que pode e contou tudo.
Um acidente de carro. Uma caminhão com placas de fora da cidade, perdeu o controle, não conseguiu parar e avançou o sinal, esmagando o carro do pai de Robertinho contra a parede de um viaduto, pelo lado do motorista. Tudo muito rápido, ele faleceu na hora segundo os legistas.
Vamos encurtar a história, já que não conseguimos encurtar a dor.
O velório aconteceu de caixão fechado. O destino cometeu ainda mais esta injustiça. Uma de suas vontades era ser cremado, e assim aconteceu. Robertinho não acompanhou nada. Ficou em locais isolados, na companhia dos amigos, e vez por outra ouvia algumas pessoas exclamarem: - Descansou coitado!
A vontade de Robertinho era sair com tudo de onde estava e tirar satisfação, se possível também fazer o velório da pessoa: - Descansou? Ele era um homem jovem, com uma vida toda pela frente. Forte e saudável. Inteligente que nos enchia de alegrias, não tinha motivo nenhum para descansar. – Ele chegou a tomar impulso várias vezes, mas não foi.
Pela primeira degustou a própria lágrima. E no fundo, bem no fundo, lhe aconteceu a mesma coisa que acontece com todos: é como se seu pai estivesse apenas saído, passeando em algum lugar e de repente fosse voltar.
Tudo acabou, e a casa vazia apenas ecoava os passos de seus parentes que haviam ficado. Flora parecia estar um pouco fora de si, entorpecida por algo. A mãe e o irmão apenas tristes, muito tristes e um pouco insanos. Repetiam frases que tinham acabado de dizer. E claro, a sorte foi um tio para cuidar de todos os papéis e legalidade da coisa, que exige prazos rigorosos.
É incrível né? tanto atraso, tana espera para tantas coisas que fariam a pessoa envolvida ficar bem, e para uma coisa destas, que traz tanta dor, que é tão triste, tudo tinha de ser de imediato. Sinceramente quem fez estas regras não devia ser humano.
Armandinho e Augusto foram embora, voltariam no outro dia. Robertinho conseguiu dormir, e pelo jeito, nem todos haviam conseguido, pois acordou a madrugada e ouviu o soluçar de sua mãe. Foi até o quarto deles, agora dele, e deitou do seu lado, no lado que era de seu pai. Não havia palavras, apenas se abraçaram deitados, até adormecerem de volta. Era esse exato gesto que ela ia precisar dali pra frente.
Robertinho acordou e ficou imaginando, ficou pensando no antes. Quando saiu de casa naquele dia, seu pai ainda estava lá assistindo TV, esperando a hora de ir trabalhar. E que irônico: enquanto seu pai morria, ele estava transado pela primeira vez.
Vocês se lembram é? Anos atrás, ele prometeu ao pai que contaria como fora a sua primeira vez. E quando ela aconteceu, depois na aula, no banheiro do colégio, ele estava pronto pra falar tudo, até dos detalhes. Estava empolgado, contente, por que sabia que fizera todo certo e ele iria se orgulhar disso. E aquela história teria de ficar guardada, não ia dá pra contar, e esta era sua maior mágoa. Não porque se tornara um novo homem, mas porque se tornara um novo filho.
Naquela manhã conversaram ele e sua mãe. No mesmo sofá da sala onde ela deu a notícia.
- E agora Adão Roberto?
E o que a gente responde quando não tem nada pra responder?
- E agora o que mãe?
- Como vai ser nossa vida?
- Ninguém sabe disso mãe. Temos que viver pra ver.
- Eu sei que você era muito próximo do seu pai, muito mais próximo do que é de mim. Mas isto agora vai ter que mudar. Eu sei que vocês conversavam sobre tudo nos últimos tempos, tudo mesmo, até “aquilo”. E eu só quero te dizer que te amo, e que a gente se de oportunidades de se conhecer melhor, afinal seremos eu você, seu irmão e por algum tempo a Flora. Teremos que ser muito unidos, pra se ajudar, pra superar. Não é uma opção, terá que ser assim pra ficar melhor para todos.
- Eu te entendo mãe. E eu te amo, o que é mais importante. – Será? Era possível amar alguém sem entende-lo? Era possível entender alguém sem amá-lo?
Mas aquilo foi possível. A palavra da vez era tempo e se deixar levar. Sim, TEMPO. Era essa a palavra. E o tempo foi passando um pouco, e Robertinho descobriu que tinha a melhor da mãe do mundo. Sabia contar piadas, sabia rir de tudo. Sabia dar conselhos para tudo. Era meio impaciente e ficava nervosa por pouco. Mas o tempo ensina muitas coisas, e a principal delas era a descobrir um novo filho, e uma nova mãe.
Se descobriram de verdade. Tinham um quarteto fantástico. Não tinham qualquer super poder, mas salvavam muitas coisas todos os dias. Não tinham magia, mas possuíam a força do companheirismo.
Pois é, esta é nossa parte um tanto melancólica, de gente que você não conhece o rosto, não conhece nem o nome. Porque a vida não é só alegria. Tem estes baques vez por outra que nos pegam de surpresa e pra sempre.
Nada, nunca mais nada seria como antes. Robertinho as vezes pensava: se eu soubesse que o veria pela última vez tinha dado um forte abraço, tinha beijado sua face, olhado mais naqueles olhos, aproveitado mais todos os momentos. Mas agora não adiantava se arrepender, lamentar. E depois de uma semana em casa, voltou a aula.
Sua mãe havia se mostrado uma grande companheira, uma grande guerreira, e isso rendeu uma conversa bem sincera:
- Mãe, por que a senhora não era legal antes?
Ele esperou ela brigar, ou perguntar “o que?” Mas o que ela fez foi apenas responder, e SINCERIDADE. Esta era a palavra que exalavam no momento, de todas as formas.
- Eu era legal Adão Roberto, eu apenas não mostrava. Estava sempre muito ocupada querendo uma casa impecavelmente limpa, as coisas todas bem organizadas, uma comida deliciosa todos os dias. Eu queria ser a dona de casa perfeita, para mostrar ao outros que sou capaz e ninguém reclamar. Então eu não tinha tempo para as pessoas. Eu fazia aquilo tudo para as pessoas e não tinha tempo para elas, do que adiantava então?
Havia uma luz ali, uma luz que iluminava o sorriso de mãe e filho.
- Eu passava a sexta feira inteira fazendo faxina na casa, e seu pai e convidava para sair na sexta a noite e eu não queria, porque estava muito cansada. Ele já tinha passado o ia inteiro fora, e quando queria a esposa de seu lado, não tinha, porque eu só queria tomar um banho e me deitar, dormir. A mesma coisa com as visitas. Quando alguém chegava eu queria fazer pratos fabulosos, deixar tudo muito bem arrumado, e perdia tempo para isso ao invés de conversar, ficar com elas. Eu vi que não vale a pena. Eu vi que não vale tanto sacrifício por coisas, quando você não faz sacrifício nenhum por pessoas. E fazendo tudo que achava que precisava fazer, eu não tinha tempo para aproveitar a vida. Quase não conversava ou estava com seu pai, e eu o amo, amo muito. Com seus avós, meus pais, também foi assim. Queria dar uma vida boa fazendo atos, e não estando ao lado deles. E eu perdi todos eles sem ter aproveitado o quanto deveria. Então chega. Não quero mais isso. Quero estar do lado de quem amo, porque a faxina, a comida impecável fica e nós vamos, e não quero mais que ninguém se vá, sem eu ter tido o prazer de tê-los de verdade comigo o quanto deveria. Falem o que quiser, pensem o que quiser. Minha vida mudou agora, chega de perder tempo não sendo feliz! – Seus olhos, sua pele, sua voz mudara, estavam mais contagiantes, mais confortáveis. Tudo mudara porque sua alma mudara, assim como a alma de Robertinho.
Há algo mais o que falar? Precisamos de mais alguma explicação aqui?
Na escola, Robertinho tinha receio de como os colegas o receberiam. Não sabia se deveria dizer algo, ou como reagir. Mas antes que ele pudesse planejar algo, a garota morena de olhos azuis, lábios vermelhos e carnudos apareceu em sua frente com um leve sorriso. A moça com quem ele tivera sua primeira transa a dias trás estava ali o encarando. Ela era muito rápida e segura (sim, vocês já sabem disso), e pegou na mão de Robertinho dizendo: - Nós precisamos conversar, agora!
RECEIO. Sim, receio. Era esta a palavra, porque ele estava muito apreensivo por aquela conversa assim tão de repente.