Um dia na noite
De segunda a quinta, os fatos pareciam se repetir ao longo do calendário, motivados somente por uma fugida ou outra da rotina. Um chope às segundas a noite na casa de Flávio, amigos de infância que passaram bons anos sem se ver; e pra surpreender, a imagem do amigo agora, menos convencido de que ir atrás de emprego em outro estado, seja uma proposta irrecusável. Sexta, o dia em que todos da confraria dos pacatos deixavam o teor de seriedade, e insatisfação de lado, e curtiam até mesmo aquilo que não havia pra curtir. Manter-se sóbrio era um prêmio, que poucos conseguiam alcançar após determinado horário. Chegou-se a um ponto em que os seis velhos amigos, decidiram por montar uma escala pra que um deles ficasse encarregado de dirigir ao final da noite. No sábado, as garotas que vieram de Curitiba,com o amigo; insistiram com Flávio e sua trupe, para uma rave treslocada, do outro lado da cidade, elas encaravam a noite carioca, com mais afinco e curiosidade do que as mulheres dali de perto.
Só o Flávio mesmo, poderia dizer qual era a situação de uma ou de outra. O resto dos caras nem passavam perto de tentativas, deixavam a coisa caminhar ao longo noite, mas sem muito entusiasmo, e a franqueza em confessar isso; estavam mais ligados em perder o compasso bebendo do que em investidas bem afinadas com as visitantes. Leandro mesmo que era o cara de sorte. Sem muito esforço, uma ou outra se aproximava sem a menor cerimonia, e deixava o rastro de perfume em sua camisa. Final da noite era clássico: não ver nada do que acontecia, e cair no carro, e sentir aquele caleidoscópio de cores e matizes gerados pelo vento e luzes da avenida, que mais pareciam alvéolos de uma colmeia.
A muito tempo Leandro não ficava com uma mulher, e foi se apercebendo disso, numa sexta apos ás 1:30 da manhã, quando no dia seguinte as garotas retornariam a Curitiba, pra semana de retorno a faculdade. Tissa, a mais afoita do grupo, e menos bonita também, empolgada com a conversa mais sacana que tiveram depois de muito beberem, ameaçou mostrar o que fazia com os namorados que teve, depois de momentos assim. Numa dessas, ela se ajoelhou a meia luz, e fez algo que as outras garotas não fariam sem muita insistência por parte de um homem.
Não há muita alternativa quando, na altura dos vinte e sete anos, as devidas ocupações roubam o tempo de estar com uma mulher em que a seriedade e ousadia, podem tirar um homem de uma interrogativa vida desvairada. Nessas idas e vindas, argumentando o que poderia ser melhor, Leandro retornava para casa após esses dias intensos, e ali mesmo, no beco da avaria,onde costumava passar em frente, e onde se assentavam as velhas senhoras á vigiar as crianças que voltavam com as balas não vendidas no sinal; deslumbrou -se com algo nunca antes visto.
A garota de que o pessoal da segunça da empresa, sempre dizia andar á noite lá por perto. Outros com a tamanha intimidade que conquistaram, a convidaram pra ir durante o turno, tomar café, conversar e outras distrações que a ninguém enganava. Era uma perfeição, cabelos ondulados, uma cintura com a elegância de uma pera, aquelas pernas amorenadas que sabiam como andar sobre a terra e deslocar a atenção para si mesma.
Ninguém sabia ao certo, como encontrá-la, como convidá-la para uma diversão descompromissada. Mas ela sabia, e ao pôr os olhos nos de Leandro, soube ao certo que aquele seria o homem pra tentar domar sua endiabrada carne. Ela nunca se doava totalmente, e no auge dos treze anos , ainda tendo as características dóceis de criança, possuia nessa ilusão de atrair e seduzir, a frieza de controlar e desferir obsessões.
A mãe morta, um ano atrás, era apenas uma lembrança distante, o pai mesmo adoecido trabalhava como um infeliz, para sustentar ela e o irmão. Alguns vizinhos diziam que se a mãe não tivesse partido tão cedo, jamais deixaria aquela criatura numa vida tão desregrada e irresponsável, outros afastavam suas filhas das conversas e condutas perniciosas, que a afamada garota trazia. Nunca se soube ao certo o paradeiro do último traço de ingenuidade e incerteza, dentro daquele mar de malícia que ela estava submergida.
Na última quarta feira Leandro ao cruzar a rua e passar entre as fronteiras do beco, avistou aquela misteriosa fêmea, entre as crianças insalubres que brincavam na areia da praça. Ao entreabrir um pouco as pernas, visualizou de forma contemplativa, os pormenores de sua condição de mulher, numa peça íntima, inteiramente transparente. Logo, consternado, abaixou a cabeça e sem olha-la nos olhos, se retirou.