Histórias de São Luís do Maranhão_5__A Ilha do Amor
(Em homenagem aos 400 anos de São Luís - 8/9/2012)

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E na acolhedora Praça Gonçalves Dias, onde se ergue a estátua do grande poeta – o Largo dos Amores – embaixo de uma palmeira onde canta o sabiá, uma linda moça vestida de branco olha ansiosamente para o imenso mar à frente. É Ana Amélia, a eterna musa de Gonçalves Dias, e espera a chegada do navio Ville de Boulogne que traz o seu amado de volta da Europa. Não o verá, porque o navio naufragará próximo aos Lençóis Maranhenses, mas ainda que se passem mais 400 anos, aquele sonho de amor continuará vivo.
Porque é da alma de São Luís do Maranhão, Patrimônio exclusivamente nosso, os ludovicenses.


(Última página do meu livro "Releituras da Alma de São Luís do Maranhão", publicado pela Agbook, São Paulo, 2012)


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O epíteto “Ilha do Amor que, aliás, muito deve honrar São Luís do Maranhão, lhe foi atribuído em função do grande número de poetas que louvaram a cidade e pelo romantismo que a própria arte carrega. Em determinado tempo, bons poetas e escritores eram tão comuns nas suas ruas e bares, celebrando em seus versos e livros o amor e o romantismo, que se passou a dizer que “um poeta podia ser encontrado em cada esquina de São Luís" e que, tantos eram os namorados a buscar a solidão das palmeiras da Praça Gonçalves Dias para executar com tranquilidade a saudável arte do “rala-coxa”, que essa praça passou a ser conhecida como Largo dos Amores. Junte-se a isso o seu panorama sempre lindo, o seu clima ensolarado durante quase todo ano, favorável, pois, ao cultivo e à prática do amor, em todas as suas formas, e ninguém duvidará de que a cidade merece mesmo ser chamada de Ilha do Amor.

E foi Gonçalves Dias (1823-1864), poeta romântico e indianista da 1ª fase do Romantismo Brasileiro, considerado um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, quem talvez tenha dado a maior contribuição romântica e poética à boa fama de cidade que favorece os amores. Seu frustrado caso de amor com Ana Amélia Ferreira do Vale – extrapolando o foro íntimo dos dois amantes para tornar-se público e notório – celebrizou para sempre um infeliz, mas jamais esquecido sonho de amor e, porque foi cantado em pungentes versos, pela pena brilhante do poeta, entrou definitivamente para os anais românticos da Literatura Brasileira.

Poeta que gozava de respeitável conceito social e intelectual, amigo do Imperador, Gonçalves Dias, cheio das mais legítimas esperanças de felicidade futura, foi pedir Ana Amélia, moça da alta sociedade maranhense da época, em casamento, em 1852, mas a família dela, em virtude da ascendência mestiça do poeta, refutou veementemente o pedido. Apesar de Ana Amélia se mostrar disposta a enfrentar o preconceito da família e a fugir com ele, o orgulho ferido do poeta falou mais alto e ele foi embora para a Europa, recusando o sacrifício da moça. Casaram-se os dois com outras pessoas, mas ambos foram infelizes nos seus respectivos casamentos.

Foi em Lisboa, num jardim público, que certa vez se defrontaram o poeta e a sua amada, ambos abatidos pela dor e pela desilusão de suas vidas, ele cruelmente arrependido de não ter ousado tudo, de ter renunciado àquela que com uma só palavra sua se lhe entregaria para sempre. Desvairado pelo encontro, que lhe reabrira as feridas e agora de modo irreparável, compôs de um jato as estrofes de "Ainda uma vez, adeus!" as quais, uma vez conhecidas da sua inspiradora, foram por esta copiadas com o seu próprio sangue. Ah, uma incrível história de amor, como essa, não poderia ser contada senão através de um extraordinário e comovente poema de amor! Comprovem:

AINDA UMA VEZ ADEUS!
(Gonçalves Dias)
I
Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
IV
Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.
V
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!
VI
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias - bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
VII
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?
VIII
Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!
IX
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!
X
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
"Ela é feliz (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha...
Perdoa, que me enganei!
XI
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde para?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!
XII
Enganei-me!... - Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!
XIII
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
C'o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.
XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
XV
És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!
XVI
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
XVII
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!
XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, - de compaixão.


















Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 22/07/2012
Reeditado em 24/07/2012
Código do texto: T3791431
Classificação de conteúdo: seguro
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