[Um Telefone para mim]
[Um Telefone para Mim]
Súbita constatação: hoje, numa certa loja, eu parei diante de vitrine com uns telefones sem fio; eu estava determinado a comprar um... Mas aí, tive um escurecimento nas vistas... e estaquei: para quê? Sim, para que comprar um telefone, se eu quase não tenho mais vontade de falar, se o ato de falar agora é uma perdição de tempo, um cansaço, se o meu caminho se encurta cada vez mais, e já quase não tenho com quem falar? Um telefone para mim... mas para quê?!
Afastei-me da vitrine; desisti do telefone. Esperarei outro instante chegar quando, possivelmente, as minhas vistas não se escureçam, e não passem o filme de mim, só, trilhando um areião infernalmente branco ao sol ardente, e nem tampouco passem diante de mim o filme daquela minha noturna viagem de trem, a cruzar chapadões enluarados... rumando sempre e sempre para o Oeste, é claro!
Para mim, saber o que eu quero é sempre uma dificuldade só, uma dificuldade só! — Eu quero nada, e quero muitas coisas! Então, eu vi que eu não queria um telefone não; tudo que eu queria era poder voltar para o que eu não tenho mais: eu queria era voltar para casa... e não estar a escrever crônicas assim, tristes. Eu gosto de ser triste, gosto?! Até parece... eu, hein? Oras... concordo com o meu conterrâneo, o finado João G. Rosa: a tristeza é o aboio do demônio — do demônio que me habita? Sei lá... o demônio não existe lá, mas então, vige onde, senão em mim?! Sei não... só sei que hoje eu não compro um telefone, mas é de jeito nenhum! De jeito nenhum!
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[Desterro, 22 de junho de 2012]