Quem encolheu Maria?
Recebo o café fumegante, o pão de queijo recém saído do forno, Maria os coloca no balcão à minha frente do seu modo servil e seu apagado sorriso. Enquanto me delicio com meu dejejum observo a mulher a atender outros clientes, sempre muito ágil e educada. É uma mulher enorme, pela altura e esbeltez podia muito bem se chamar Maria Bündchen. Sorrio interiormente da comparação, mas ela persiste em minha cabeça, porque faz muito sentido.
Maria não é uma mulher feia, tem um rosto comum, mas de traços bem definidos, sem qualquer exagero de forma ou de tamanho. Pelo volume contido na toca branca de atendente de padaria, imagino que tenha cabelos longos e lisos. As medidas de Maria cabem muito bem nos padrões atuais de beleza. não consigo definir sua idade, mas sei que é ainda jovem porque tem filhos pequenos. Contudo, Maria tem qualquer coisa de desgraciosa. Parece-me encolhida. Quando desocupadas, suas mãos estão sempre cruzadas à altura do peito, os ombros caídos, os cotovelos angulosos se sobressaem pelos flancos. Falta-lhe... Falta-lhe... Falta-me a palavra. Ocorrem-me os versos de Gerson Coutinho feitos para uma musa mato grossense: "adeus menina de fala franca, que tem a graça, beleza e panca da garça branca do Pantanal." Era isso: falta-lhe panca.
Se Maria de repente se desencolhesse, se levantasse a cabeça, se descruzasse as mãos, se caminhasse decidida e com os ombros erguidos, se o seu sorriso se tornasse verdadeiro, se a servilidade desaparecesse dos seus olhos, se desprendesse os cabelos. Acho que Maria seria uma mulher bonita.
Quem terá encolhido assim Maria? Um pai muito bravo? Um marido estúpido? Um chefe escroto?
_ Aceita mais café?