País das Ilusões Femininas

“Srs. Responsáveis

Pelos setores de segurança desta nação, pelas Delegacias de Polícia, pelos órgãos de prevenção e repressão a todos os tipos de crimes, pelos órgãos de proteção à criança, ao adolescente e às mulheres, pelos órgãos que cuidam dos desaparecidos, senhores juristas e magistrados responsáveis por proposições visando a alterações no Código Penal, Ministros de Estado e, até onde for cabível, Ministros das Forças Armadas, senhores e senhoras que constituem esta bela nação que eventualmente tenho a honra de presidir,

Reconheço que não é esta talvez a melhor forma de me dirigir a Vs. Sas., mas o faço pela impetuosidade que me impõe o coração:

Esperando não ter omitido setores que possam estar incluídos entre os elencados, dirijo-me respeitosamente a todos no sentido de serem envidados incansáveis esforços para o esclarecimento e a redução dos crimes de morte, para a redução do espantoso número de desaparecimento de crianças, para a erradicação das cenas chocantes de espancamentos de presos que testemunhamos pela TV, pelo maior treinamento de policiais para que sejam evitados crimes de morte em nossas ruas contra cidadãos de bem – enfim, incansáveis esforços de Vs. Sas. no sentido de se estabelecer uma parcela maior de Justiça em nosso país.

Sei que o termo Justiça é amplo e que inclui a atuação dos políticos, os elevados índices de corrupção infelizmente ainda registrados e outras situações amargamente controversas. No entanto, estou convicta de que, se seus esforços forem coroados de êxito, teremos o resgate de uma importante fração de Justiça, culminando com o sentimento de maior segurança por parte da população. O que não é possível é continuarmos com o nível de acontecimentos dessa natureza que tornam acintosamente banais atos que todos deploramos. Entendo que muitos crimes e procedimentos condenáveis são inevitáveis. Ocorre que o seu não estancamento, através de medidas que podem estar ao nosso alcance, contribui para a banalização desses atos, que passam a ter uma importância secundária no nosso dia-a-dia”.

Que era aquilo? Que discurso era aquele no horário nobre? Todo mundo se espantou. Está certo que a Presidenta era mãe, avó, de origem comum e deveria estar chocada, como qualquer pessoa, com o recente noticiário na TV. Mas era totalmente inusitado este tipo de pronunciamento na telinha da parte do mandatário da mais elevada envergadura no país. A conclusão óbvia foi a de que “a Presidenta deve estar vendo muita televisão. Quando devia estar fazendo coisa mais importante”.

O fato é que, depois daquela advertência, crianças pararam de sumir de hospitais, pacientes deixaram de morrer na fila de atendimento, crimes há muito esquecidos foram elucidados, arbitrariedades cometidas por policiais não apareceram mais na TV, não houve mais notícias de cidadãos de bem mortos em incursões ou blitzes policiais, etc.

Houve, como eu, quem dissesse, logo após o pronunciamento da Presidenta, que vivíamos no país das ilusões. Tempos depois essas mesmas pessoas reconheceram que as ilusões podem se tornar realidades.

Chegada a época das eleições presidenciais, apesar do clamor da população para que tentasse a reeleição, a Presidenta foi taxativa quanto à decisão de se retirar da vida política. Alegava que seu sucessor poderia chegar ao resgate de outras parcelas de Justiça, agora que o país trilhava, reconhecidamente por todos, caminhos que já não eram mais os da esperança.

A eleição chegou e a faixa presidencial foi transmitida. Só que agora tínhamos um Presidente.

Rio, 21/07/2012

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 21/07/2012
Reeditado em 21/07/2012
Código do texto: T3790174
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