O beijo na avenida

     Li ou ouvi, que em uma determinada cidade, o beijo momino fora proibido. 
     Não sei se porque avaliado como uma afronta à pudica sociedade local, ou se por uma questão de higiene. 
     Seja lá como for, a proibição é inoportuna e antipática.
     Coisa de autoridade que não tem o que fazer.

     Não tenho a menor dúvida de que a determinação oficial será desrespeitada em plena avenida. 
     Será literalmente desobedecida sob a luz dos refletores e ao som da música de maior sucesso no carnaval, que logo mais começa. A meninada vai beijar, doa a quem doer. E se a autoridade coatora não gostar, que vá se queixar ao bispo.

     O beijo existe desde antes da Era Cristã. 
     No Século XVIII a.C. dele já se tem notícia. 
     No Gênesis, você o encontra com todas as letras.  Basta ler o Versículo 11Capítulo 29, do primeiro Livro do Pentateuco, e saberá que Jacó beijou Raquel. 

     No tempo do Mestre, o beijo era uma saudação corriqueira, porém, digna. Com um beijo os amigos eram recebidos nos banquetes e nos ágapes.
 
     Mas, apesar de toda esta conotação, diria, religiosa, envolvendo o beijo, ele sempre provocou polêmica: desde o beijo  de Judas, até o mais inocente e puro beijo trocado entre pessoas que se amam, ou que, apenas, se gostam...

     Ainda me recordo da divina sensação que senti quando, pela primeira vez, beijei um certo alguém... Foi numa época em que um beijo na boca, só roubado; ou depois de meses de renhida "batalha"!... Eram mais gostosos? 

     Uma confidência: uma das primeiras mulheres que beijei na boca, soube depois, que passara a noite em claro! A ingênua sertaneja não compreendia como houvera praticado "aquele ato", com, apenas, seis meses de namoro...

     A gente se contentava em ver nos cinemas - sessão das quatro - os demorados beijos trocados entre artistas famosos. Eram ósculos (opa!) fingidos, técnicos, se preferirem, mas bastavam para alimentar a fantasia de todos nós, moços felizes do início dos anos 1950.

     Disse acima, que a proibição do beijo no carnaval pela autoridade daquela cidade será revogada pela espontaneidade incontida da meninada local. 
    - "Qual´é?", bradarão os desinibidos foliões do início do Terceiro Milênio.

     O beijo, na avenida de Momo, não há como evitá-lo; como reprimi-lo, tão fácil de colhê-lo se tornou.  
     Aliás, beija-se hoje por qualquer motivo: dentro e fora do expediente; no claro; no escurinho; no verão; no inverno; na primavera;  no outono; no carnaval e na Quaresma.

      Sobre o beijo no carnaval, Nelson Rodrigues deixou-nos uma crônica  genial. 
      Conta, que no carnaval de 1920, uma jovem tuberculosa  resolveu cair na folia, com o firme propósito de ser beijada por alguém, posto que, nunca houvera sido premiada, ao menos com um  fortuito beijo. 

     Com a aquiescência  do seu médico,  
 ela colocou uma máscara, e desapareceu na multidão.  Horas depois, foi encontrada morta, na via pública. E diz o Nelson: "Depois do beijo, jorrou a hemoptise final".
 
     Isso tudo ocorreu quando as máscaras encondiam o rosto das carnavalescas. Hoje, as folionas  mostram-se, praticamente, desnudas. Facilitam, em muito, o trabalho do seu parceiro de bloco ou de gandaia.
    Ainda o Nelson Rodrigues, em crônica de 1968, afirma, que "nunca a mulher se despiu tanto para os quatro dias" de folia. Que diria o Anjo Pornográfico se visse o carnaval dos anos 2000...

     O beijo, em qualquer circunstância, em qualquer tempo, em qualquer lugar, é sempre um ato de amor.  
      Seja ele libidinoso, seja o beijo que consagra uma amizade passageira ou duradoura.
 
     Por isso, meu caro folião, minha querida foliona, não vale banalizá-lo. Mesmo que seja um "beijo fantasiado", guarde-o como uma grata recordação do seu último carnaval...
 

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 12/02/2007
Reeditado em 22/01/2008
Código do texto: T378974