O VELHO SINO

“A cada pancada tua,

Vibrante no céu aberto,

Sinto mais longe o passado,

Sinto a saudade mais perto”.

(FERNANDO PESSOA)

Muitos anos depois, visitei a cidade onde nasci. O cinema deu lugar a um templo religioso. A livraria não existe mais, o velho jornal também. Procurei na biblioteca municipal pelo arquivo do jornal extinto, para que pudesse ler notícias de outrora. Para minha surpresa, fui informado que o referido arquivo tinha sido vendido e encontrava-se longe dali, em outra cidade.

A praça da igreja, não era mais a mesma. Para ganhar espaço e aumentar a área construída, derrubaram as árvores, fizeram muros e galpões, alterando a arquitetura da igreja e do lugar. Isso deixou tudo com uma aparência totalmente diferente e feia. Possivelmente, mudanças como essas, contribuem juntamente com a velhice, em apagar da mente das pessoas, as reminiscências de um passado distante. As lembranças vão desaparecendo, no mesmo ritmo em que a vida se esvai: anúncio velado que o fim se avizinha.

Naquele ambiente diferente, sentei no banco da praça e esperei pacientemente. Sabia que pontualmente às 12 horas, o sino da igreja daria o sinal que a tarde estava iniciando-se. Então, quando os ponteiros acusaram o horário previsto. Um som diferente partiu do alto da torre. Infelizmente, não era aquele que eu estava acostumado a ouvir antigamente. Bem mais baixo do que o original, mais rápido e sem a profundidade sonora esperada. Enfim uma calamidade!

Numa memória gasta pelos anos, pouca coisa ficou retida no cérebro envelhecido desse visitante. Entretanto, somente alguns segundos de silêncio, bastaram para relembrar com clareza, aquele som ritmado, lento, profundo e caloroso do velho sino: toque triste, ou alegre, dependendo do momento vivenciado. No entanto, sua ausência foi motivo de muita tristeza para mim e certamente para muitos moradores que amavam aquelas batidas afetuosas.

Levantei desanimado do assento e pensei: “o que será que aconteceu com o velho sino”? Na rodoviária, antes de partir, minha curiosidade foi satisfeita por um morador antigo do lugar. Disse ele: "um espertalhão vendeu para o padre, quatro sinos elétricos novos e levou o velho badalo de graça". Estupefato, perguntei: que destino levou o sino? Ele continuou dizendo: "posteriormente, foi vendido por um preço exorbitante para um colecionador italiano que o levou para Europa".

Agora sentado na poltrona do ônibus que me levaria de volta para casa, penso: a saída daquele sino deixou em mim, um vazio muito grande. Ao lado da tristeza, ficou um sentimento de culpa. Talvez, se tivesse ficado a em minha terra natal, as coisas não teriam seguido o rumo que seguiram. Talvez, o VELHO SINO, também não tivesse partido...!

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 21/07/2012
Reeditado em 22/11/2012
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