Pessoas em Extinção

Sou um admirador de raridades. Um colecionador de fatos inéditos.

Talvez por isso eu goste tanto de verbalizar o amor. É sempre uma surpresa as reações que as pessoas têm ante a expressão "eu te amo".

Se você olhar minha devedeteca observará o que digo. Tem coisa que não se vê todo dia. Assim também são os livros que tenho. Obras que penei para encontrar e reunir. É inexplicável o prazer de contemplá-los.

Da mesma forma examinar animais em extinção. Você sempre encontrará um diferente no fundo da tela do meu computador. Por isso gosto tanto de ir ao zoológico. Tenho a oportunidade de ver o que nunca veria na minha vida natural e porque sei que esta estrutura colabora com a preservação de tais espécies.

Existe um animal que eu sempre quis conhecer e nunca tive a oportunidade. Sonho um dia poder encontrar uma pessoa simples.

Não me refiro a condição social ou financeira. Expressão de coitadinho e sofredor. Não. Uma ação momentânea é fácil. Todos são assim. Eu sou assim. Quero ter o privilégio de descobrir alguém realmente simples. Desencanado destes valores corrompidos, nenhum um pouco desesperado por dinheiro, não condicionado às circunstâncias. Alguém humilde de verdade. Que saiba respeitar os outros e admirá-los pelo que são. Alguém que saiba ser feliz e ter prazer simplesmente por estar vivo.

Estes são pessoas em extinção.

Pensando nisso e observando que estas características tão admiráveis surgem em momentos esporádicos desenvolvi uma teoria.

Nós não somos uma pessoa só. Somos várias. Já fomos um. Não somos mais. Devemos buscar esta condição. É o meu posicionamento, ao menos. Este conceito surgiu junto com o Renascimento. A idéia de subdividir a vida. Todos estes anos se passaram e esta visão se estabeleceu em todo o ocidente. O que era a princípio uma divisão entre vida com Deus e vida entre os homens caminhou para todas as possibilidades pensadas. Agora tratamos de vida financeira, vida espiritual, vida sentimental, profissional, emocional, entre outros.

Isso também se dá com respeito a sua personalidade. Você não é apenas o fulano de tal. Você é o fulano de tal filho. O fulano de tal empregado. O fulano de tal marido. Assim sucessivamente. Todos se posicionam de acordo com suas funções.

Mesmo com toda essa diversidade e possibilidade, é difícil encontrar alguém realmente simples. Mas já não é impossível.

Filho não é simples. Com toda a mordomia e mimos com que é criado a possibilidade de um egoísta surgir é grande. Mesmo que um monstrinho não apareça, o papel de filho torna as pessoas um pouco, que seja, altivas. Afinal, para o bem ou para o mal ele sempre será o centro.

Cônjuge não pode ser simples. Você tem a responsabilidade de fazer outra pessoa feliz. É impossível, praticamente, reunir características completas de simplicidade. O desempenho não é tudo, mas é importante nesta função. Você precisa pensar demais no outro e ainda alinhar suas emoções para atingir um grau satisfatório de plenitude. Não há como ser simples.

Funcionário ou patrão, sem chance. Há a competição e a cobrança pelos resultados pressionando qualquer tipo de espontenaidade. A comparação eleva os níveis de rivalidade sufocando qualquer gesto de sincero altruísmo.

Segundo esta análise, percebo que o único pseudônimo que está a nossa disposição que pode assumir este conceito de simplicidade é o de pai ou o de mãe.

A minha irmã, Elisângela, é um bom exemplo. Prefiro não comentar sobre suas ações enquadradas nas demais subdivisões de sua vida. Vou me atentar nela como mãe.

Fui a sua casa para um jantar um tempo atrás. Esperava por boas risadas – algo freqüente quando estamos juntos. Quando cheguei me surpreendi com o que vi. Minha irmã estava linda. Estava radiante. Fazia tempo que não a via daquele jeito. Fui recepcionado por largo sorriso, com um beijo e com a declaração:

- Tu não adivinha o que aconteceu.

- Algo muito bom para você estar com essa cara. – respondi.

- A Sophia foi o dia inteiro no banheiro. Não fez nem xixi nem coco na calça.

Ela estava em êxtase porque sua filhinha de dois anos e meio estava abandonando a fralda. Sua princesa avançava um nível e ela regozijava-se como nunca. Ninguém viu, ela não ganhou nada de material, nenhuma admiração, apenas o sorriso da Sophia. Foi o suficiente para fazê-la feliz. Que simplicidade.

Dou a sugestão de colocá-la em exibição. Veja uma pessoa simples, o cartaz deve dizer. Ao menos quando estiver em sua função materna.

Eduardo Dorneles
Enviado por Eduardo Dorneles em 20/07/2012
Reeditado em 20/07/2012
Código do texto: T3787861
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