Não diga que não avisei

Ainda que não me enquadre mais na categoria de estudante, sempre que as férias escolares chegam sou instigada a dar uma fugidinha extra da fatigante rotina dos diplomados. Muito mais do que a gurizada fico criando possibilidades mirabolantes de passeios inusitados que pichem a alma com inscrições indeléveis do tipo “eu estive lá”.

Com o advento da internet, mapas, guias turísticos e opiniões de viajados, foram descartados. O “quente”, depois de ter decidido para qual destino irá seguir, é entrar nos sites que fornecem a lista completa de hotéis, pousadas, hostels, albergues, para você escolher o que preferir e couber no seu bolso. E, para garantir que não está sendo enganado, informam preços, expõem fotos e, até, avaliações de pessoas que se hospedaram nestes locais. Enfim, só falta a velha frase: “Não diga que não avisei.”

E foi desta forma, vasculhando dentre as várias opções a que melhor se encaixasse no bolso e no coração (a famosa dupla custo-benefício), que li o comentário de uma pessoa achincalhando em seu melhor português a pousada em questão.

Tendo a ficar constrangida sempre que alguém lança sua ira sobre algo ou alguém na minha frente, mesmo que entre nós exista uma tela de computador e incalculáveis quilômetros de distância. Sinto-me envolvida na situação,como se tivesse culpa de algo que nem sei o que é, e devesse fazer algo se soubesse como.

Pois bem, a mulher (havia me esquecido de mencionar que o comentário mordaz partia de uma mulher) detalhou minuciosamente todos os itens de sua indignação ( raiva, zanga, repulsa?) sobre a (pobre, desprovida, indefesa?) pousada, ali mesmo, escancaradamente, via internet para que todo mundo lesse, inclusive eu e a minha tendência “cumpliciosa”.

Claro que antes de construir qualquer avaliação sobre um acontecimento pondero entre as razões e culpas envolvidas, que é para não sair tomando partido de um ou de outro pelo calor da exaltação. E foi deste jeito que me lembrei da mensagem intrínseca contida no site de hotéis: “Não diga que não avisei”.

Poxa, a senhora exasperada estava reclamando por serviços e acomodações de (no mínimo) três estrelas a uma pousada sem estrela nenhuma, composta de uma estrutura simples exposta (por fotos) para quem quisesse ver, e optar por suas tarifas 50% (no mínimo) mais baratas! Sem dúvida é mais um daqueles desatinos em que a pessoa quer dar pouco e receber muito.

Como cúmplice que não tem nada a ver com o barraco fiquei tentada a enviar um email à senhora equivocada sugerindo algumas regrinhas de como utilizar melhor o mecanismo da inteligência, mas acabei deixando prá lá, num surto de “eles são desbotados que se entendam”.

É que esta é uma mania nacional, imortalizada na figura de Gerson (e o seu vantajoso Vila Rica). Para quem não é do tempo em que cigarro era fashion, ele foi o cara que propagou a cultura do “pagando menos por mais” ou “dando pouco você merece muito”.

O pior efeito colateral (depois do câncer de pulmão) foi que o egocentrismo material gerou metástases nos dispositivos emocionais. Atualmente, a economia de si mesmo é a grande invenção que se carrega por todos os lados, sem fazer volume.

Doentiamente as pessoas foram economizando afetuosidade, poupando sorrisos, acumulando carinhos, contendo elogios, barganhando amor. Em contrapartida, o mundo foi sendo invadido por seres egoístas, carrancudos, frios, invejosos, solitários que vivem exigindo vantagens dos outros para si, e congestionando agendas de consultórios de psicanálise.

A lei de retorno é clara até para quem não sabe ler: Quer receber? Dê em troca.

Ela se aplica às questões materiais e às emocionais também. Desta forma, para não haver equívocos, confusões, frustrações e desilusões pesquise antes, procure bastante, decifre até o que não está nas entrelinhas, e jamais diga que não avisei.

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Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 19/07/2012
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