Bom Uso da Palavra
          
          Muitos anos atrás, num baile do alto sertão, depois de levar a filha do prefeito à mesa, escutei da sua mãe: “Você dança com eloquência”. Mesmo muito jovem, mas já com relativo conhecimento de latim, sabia que “eloquência” sempre derivou do verbo “loqui” (falar); estranhei que os pés, ao dançarem, realizassem coreografias com eloquência. Ora, nem a própria boca, naquele enorme barulho, abriu-se para suspirar. Mas, ao perceber aquele confuso elogio, esbocei um sorriso e não contive o meu “muito obrigado”.  Quando escuto o mau emprego das palavras, recordo-me de ter dançado “com eloquência”... 

         A palavra deve corresponder à ideia, ao fato ou à coisa, que exatamente pretendemos externar pela linguagem. Essa conformidade de uma mesma palavra varia quando ela é equívoca ou polissêmica, interpretada segundo a circunstância, como “manga”, significando com as mesmas letras: a fruta, a parte da roupa que veste o braço e a peça tubular que protege a chama de candeeiro. As palavras ainda são usadas, por analogia, para coisas diferentes que tenham qualidades e características semelhantes à coisa analogante da qual provém a palavra. Por exemplo, do nosso pé, analogante da palavra “pé”, se origina a ideia de pé; os analogados: pé de cadeira, pé do muro, pé de manga são chamados de “pé” por comparação.  O importante é que se zele a adequação mais exata possível entre a conceituação da coisa e a palavra que a exprime, valorizando a conformidade da palavra à coisa, e consequentemente da coisa à palavra, tal qual como justa é a luva adequada à sua mão, sem falta ou excesso.

          Assim são as palavras que, sem distorções, comunicam bem; culturalmente se difundem, significando seu significado de modo consensual. Imaginemos que para uns “pé” significasse mão e para outros “mão”, “pé”;  como seria interpretada a expressão de Sêneca: “Manus manum lavat” (Uma mão lava a outra). Talvez, um pé lava o outro...  A impropriedade dos termos nega exatidão e propicia confusão àquilo que se pensa dizer, enquanto o termo  adequado enquadra e delimita o seu objeto.  Nesse sentido, também estranharíamos chamar uma mulher de pai ou um homem de mãe...  Não raramente, por motivos de uso ou desuso, e até econômicos, alguma palavra de conceito complexo muda de sentido. Assim, Albert Einstein, em “Como vejo o mundo”, chega a afirmar que, hoje, “o novo sentido da palavra paz significa sobrevivência”.

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