Ainda sobre quem escuta a voz dos poetas
“E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o canto
dos grilos, / E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca”.
T.S. Eliote
A epígrafe acima é de “O Enterro dos Mortos”, poema do inicio do Século XX. O poeta T.S.Eliot é um americano radicado em Londres, logo que teve inicio a Primeira Guerra Mundial. É um jovem que mira o rio Tâmisa e se impressiona com o comportamento irresponsável do ser humano, neste caso, os “nobres europeus”. Em o “Sermão do Fogo”, outro poema de “A Terra Desolada”, grita o rio sufocado por tanto lixo. “Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham / Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,...” E é possível ver no texto-poema que o olhar do poeta está inconsolado diante de tal visão. “O rio não suporta garrafas vazias, restos de comida, lenços de seda, caixas de papelão, pontas de cigarro...” Então diante da leitura destes textos, escritos há cem anos, tenho a impressão de que o poeta acabou de chegar de um passeio, aqui pertinho de nossas casas. Rios e córregos abarrotados de objetos e o que mais impressiona é a quantidade de calçados que aí encontramos. Sapatos o símbolo de homem civilizado, acrescido de todo tipo de novidade eletrônica, as maravilhas da pós-modernidade. Contudo, moderno e lúcido era o poeta no final do século XIX. Ele soube dos problemas que teríamos que enfrentar, pois já estava ali posto, mas só ele viu.
Talvez se escutássemos mais os poetas, menos os políticos... Talvez tivéssemos apreendido que o Planeta há muito tempo pede socorro. Aprendido que não é difícil acolher as queixas destes que olham para nossas vidinhas cotidianas e têm mais visão. Por onde andam os poetas e os loucos em nós! Aquelas criaturas em que o coração pulsa fora do peito e os olhos têm mais visão. E aqui lembrando Euclides da Cunha, no final do século XIX, além de um senhor poeta ao escrever Os Sertões, era engenheiro e tinha a solução para a seca no Sertão Nordestino. Mas quem para escutar!
E somos hoje os cidadãos do século XXI, mas ainda não aprendemos a reconhecer o que dá sustentação a nossa existência. Que ainda não sabemos que todas as formas de vida estão correndo risco de extinção. E que junto com elas o próprio homem ‘extinta’ a si mesmo!
De que adianta a ciência, toda a tecnologia de nosso tempo facilitando nossas vidas. E não conseguimos ainda ver que a Natureza é a fonte para todas as nossas necessidades. Quantas formas de vidas, quantas criaturas já desapareceram. Negligenciamos de maneira tão irresponsável, com a mesma rudeza como vimos fazendo há séculos. Atentando contra quem nos alimenta e propicia o abrigo.
Que bicho é esse, o homem que controla o Mundo, mas não a sua fome de domínio e para isso não se importa em aniquilar tudo a sua volta. E no rastro por onde passa deixa os dejetos de tudo aquilo que industria, querendo paraíso.
O homem é um forasteiro quando se faz poeta. Esquálido de abandono e horror narra ao vento às estradas ressequidas que tem que trilhar. O colóquio é surdo para os outros homens. Mudo de pássaros em seus poemas, pois não há mais laranjais a margem dos caminhos. A última cigarra de tão sozinha não teve forças para fazer verão. “É doce morrer no mar” diz Caymmi, mas no tempo do verso, no seu país o mar ainda tinha peixe.
Hoje um barqueiro deslizando águas cristalinas é sonho do mar. E o mar! Quando ele dorme é agasalhado por colcha de plástico. Os olhos do mar têm sede de gaivotas e albatrozes, mas com menosprezo a boca do homem só move a mandíbula para dizer não ao pedido de socorro do mar. Lava as mãos e vira as costas à sua queixa. O mar gritando socorro... Socorro, socorro!
Todavia há os que insistem em preservar uma certeza: a de que os meninos podem escutar a voz dos poetas. E se os levarmos desde pequeninos para passear ao ar livre, vão conhecer as muitas formas de vida, vão descobrir a alegria que nasce nesse contato. Mais tarde, crescidos eles saberão o que fazer pelo nosso pobre Mundo. Seus olhos e ouvidos foram sensibilizados, são íntegros e aptos para escutar todas as vozes que chamam socorro. Socorro, socorro... E até escutar nas conchas, o barulho do mar.
Depois haverá vozes crianças pedindo que toda forma de vida seja respeitada. Afinal cada nova geração ganha o direito de continuar por nós a viagem do existir. É nossa obrigação cuidar melhor do mundo desde ontem. E com poesia sim, sim para escutar a voz do poeta mostrando com dor onde está o equívoco. Mas também em ação o sólido gesto para aplacar atos rudes. Chamando por mais respeito pelo Planeta Terra. Lembrando que maltratada a Mãe chora por seus meninos, esquecidos de seu imenso e criativo amor.