Linha da Borda

Queria poder não pisar mais na barra do meu vestido, me ver algumas semanas mais velha ao olhar no espelho da fantasia. Queria não desejar nada de tão supérfluo ao ponto de não estar ao meu alcance. Para contar essa história, precisaria de mais ou menos 17 rolos de papel higiênico e muito fôlego para não soluçar...pois é exatamente como salivar nessa inconstância que me vejo, querendo me libertar de um casulo e - quem sabe, um dia - eu deslanche e voe longe.

Queria balançar na gôndola, mas não posso mais. Queria brincar de amarelinha, nunca vestir a artilharia de "gente grande". Ai, como é patético essa máscara que todo o mundo veste predisposto a encarar a vida tão sublime de forma tão vazia! Queria dilacerar essas vendas nos teus olhos e quem sabe você me enxergaria! Mas não sei porquê diabos todos acham mais confortável usar codinomes para explicar quem são. Dar pistas, depositar conselhos, editar seu perfil incessantemente no caminho e, mesmo assim, deletar todas as mensagens de boas-vindas ao chutar o balde e correr para a cabana mais próxima - e tudo para não encarar os bichos-papões e bruxas malvadas do dia-a-dia. Existem tantos monstros debaixo das camas, por cima dos travesseiros e encrustados na sola dos sapatos que chego a arrepiar-me nessa inesperada decodificação de suas mensagens e identificação de suas tardes vizinhas.

Eu queria mesmo empinar pipa, me lambuzar de sorvete, brincar de pega-pega nas linhas da vida. Mas aconteceu um tremendo alvoroço aqui que minha corda estourou, me impedindo de pular e me deixando por um fio. E é tanta gente que se esconde-esconde nas camisas que não são delas, atrás das telas de computadores espalhados por escritórios e nos rostos tristonhos que não conseguiram cativar com tamanha pertinência desmerecida.

Eu e essa mania de "queria". Mas quem me prendeu aqui? Eu sou a minha própria sabotadora? Sou eu quem fiquei no jardim da infância sozinha e desmedida, displicente do mundo ao qual eu pertencia? Eu QUERO reinventar-me, e não me atrasarei para a volta nesses 10 contados. Levarei para costureira meu vestido todo gasto, ela encurtará a borda e alguém vai querer de mim o passo largo de poder pisar descalça no trilho frio que encontrei ao precisar mudar de vida.

Lena Martins
Enviado por Lena Martins em 18/07/2012
Reeditado em 18/07/2012
Código do texto: T3785081
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