A gente se culpa muito por muita coisa na vida. Cria dívidas de tudo com todos. Dívidas de carinho, de atenção, de telefonema, de comemoração de aniversário, de ajuda em casa, de fazer aquela petição para um conhecido, de revisar o livro do vizinho, de ajudar o sobrinho na escola. Dívida de ir à festa da sogra, visitar os afilhados, responder os e-mails dos amigos, escrever para quem não te escreveu, ajudar o amigo com o currículo, apresentar um amigo ao outro, conversar mais com os avós. Tudo de boa vontade, porque queremos ser legais e somos. Mas de repente a gente acorda e se vê devendo tanta coisa para o mundo que dá uma angústia sem fim. E, embora quase tudo que a gente promete esteja na categoria dos favores camaradas, qualquer coisa que a gente deixe de fazer é como levar uma bronca do chefe, só que por dentro. Ninguém fala nada e geralmente ninguém reclama, mas o chefe aqui dentro briga feio, ou porque não fizemos o que prometemos, ou porque prometemos o que não podíamos fazer. O fato é que de tanto ser legal a gente começa a se sentir um lixo. Essa culpa social que nosso psicológico assume e (des)controla…
A verdade é que o dia tem 24 horas muito preciosas e a gente tem pouco, pouquíssimo tempo para viver. Falta contemplar a vida, apreciá-la. Ir cumprindo tarefas vai tirando de nós o prazer de ver a vida. E não dá tempo de cumprir todas as tarefas, então ver a vida por 5 minutos dá culpa, sofrimento, angústia. Existe chefe mais intolerante que esse dentro da nossa cabeça? A gente vai cumprindo tudo que consegue e ele continua fazendo a gente se sentir incompetente. Falta coragem para ouvir nossas próprias vontades, para assumir o que a gente quer e, principalmente, para dar preferência para isso. Afinal, se a gente não se der preferência, quem mais vai poder fazer isso?
Em Defending Your Life (filme de 1991), Albert Brooks colocou essa questão de uma forma bem interessante. Ao chegar na cidade do julgamento, depois de morrer, ele tinha que defender sua vida para ver se evoluía ou voltava para a Terra. E, pasmem, a idéia da defesa era mostrar quanto ele fez por ele mesmo, porque ele queria, porque ele confiava. Quanto ele atendeu às suas vontades (logicamente sem prejudicar o outro). Quanto ele venceu seus medos e agiu conforme seus desejos. A idéia de evolução era ter coragem de assumir as rédeas da sua vida a despeito das convenções sociais sobre o que se tem que fazer, o que se tem que aceitar. Coragem. Ousadia de dar o primeiro passo na direção que seu coração manda e descobrir que o Universo todo conspira a seu favor quando você confia, que o poder lhe é dado após o ato corajoso de se começar a ser como se quer ser.
No filme, a única dívida cobrada no dia do julgamento é aquela que a gente tem com a gente mesmo, por não ter parado para ver a vida e, principalmente, para vivê-la do jeito que a gente queria. E não é essa mesmo a única dívida com a qual a gente deveria se preocupar? Quanto mais feliz a gente é, mais a gente evolui, mais a gente deixa o mundo melhor, mais a gente ajuda quem precisa. Bora viver? Passa rápido demais!