Aprendendo a viver como o café de coador e dissertando sobre minhas sólidas raízes vendidas e compradas novamente.
Dessa vez não pretendia escrever. Vamos ver até onde vou hoje.
Quando tomo café solúvel, fico elétrico, porém quando tomo o de coador, fico relaxado. Acho que isso tem a ver com a pamonhalização (vide Cortella) do processo: o solúvel é feito rapidamente, você não tem tempo a perder, faz e toma, sem sequer sentir o gosto, dar uma tragada, toma sozinho. O outro é diferente, existe um ritual: café no coador enquanto a água esquenta, põe na térmica o que não vai tomar, serve os convidados e curte o amargo e o cheiro que lembra casa de vó com pão.
O melhor de acertar o café é contar vantagem para os colegas (os amigos sabem que é mentira): "pois é, sempre faço café forte e tomo sem açúcar, mas eu sei que quem não é acostumado não gosta do amargo saboroso. É que minha terra produz... em vez de leite, tomamos café, direto da teta!". Me sinto como o garoto do interior, pseudo-intelectual, que não aguentava os marasmos do vilareijo, mas usa suas raízes como um diferencial para parecer mais afastado do capitalismo selvagem da cidade grande.
Na verdade, fui vendido no instante em que escolhi um pó em detrimento ao outro, já que nao entendo de café; pior, no instante que escolhi um açucar em relaçao a outro, não há diferenças entre açúcares; pior, fui vendido no momento em que sai de Pinhal para me desprender e fingir conservar minhas raízes para ser "cool". Acho que nasci vendido. Mas se nasci vendido, nunca tive a chance de escolher sê-lo, portanto sou autêntico, não vendido, apenas criado, ou melhor, domesticado.
Acho que não somos vendidos, somos domesticados! Isso! Afinal, não tivemos escolha antes de nascer de escolher o meio em que vivemos (só Exu sabe). Não acredito que teria escolhido ter raízes das quais preferiria me desprender e fingir mantê-las para transparecer diferente dos outros com quem convivo hoje. Isso é confuso. O que é confuso necessita de meditação. Toda meditação deve ser acompanhada com café (está na legislação sobre o pensamento vago, é sério), mas do café coado, pois nenhuma meditação é instantânea.
Prefiro levar a vida como o café coado, sem pressa, aproveitando o ritual da preparação e seu aroma saboroso, errando sempre e, eventualmente, acertando, assim posso me dar ao luxo de repetir o acerto da próxima vez ou tentar deixá-lo mais forte e sempre me drogar mais com sua cafeína. Não gostaria de viver como o expresso, sem erros nem acertos, tudo feito apenas para obter seu intorpecente cafeínico, rapidamente, sem perceber o sabor nem o aroma. Digo isso porque não me vendi, sabe? Foi o que minhas raízes me ensinaram, criado no interior de São Paulo, tenho orgulho delas e não aceito que se misturem com outros costumes, pois fui domesticado, ou melhor, abençoado com inabalável cultura! E que Omulu me leve se eu estiver mentindo!
Moral da fábula sem fantasia: se for se drogar, faça disso um ritual, fica menos evidente a dependência e vira um meio de escapar da rotina (mas não deixe transparecer que o ritual já é rotina).