CRÔNICA NO LEITO DE MORTE

Passamos a vida sabendo que iremos morrer, mas nunca pensando seriamente no assunto. Ou como diz o poeta, “todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer”.

Mas a morte é o fim do caminho. Ou não, dependendo da crença de cada um. Mas até prova em contrário, para mim ela encerra um ciclo. Quando ela chega, não há volta, não há arrependimento. Não existe o “espera mais um pouco que eu tenho que voltar e fazer o que não fiz ou consertar o que quebrei”. Simplesmente chega.

O primeiro contato sério, dolorido e doloroso que tive com a morte, foi quando meu pai morreu. Ele ficou vários dias na UTI, mas não resistiu a um derrame. No velório, o olhá-lo no caixão, percebi que nunca mais iria poder ouvir sua voz novamente, nunca mais iria poder pedir-lhe desculpas ou mesmo exigi-las dele. Percebi naquele momento que ele não estava indo embora para algum lugar distante, e que talvez um dia eu pudesse procurá-lo, encontrá-lo e dizer um simples “oi”. Ali eu estava encarando pela primeira vez o significado real e sólido da palavra “definitivo”. A morte é definitiva. Ela não é “mais ou menos”, não é para depois, não é um “vamos dar um tempo”.

Anos depois morreu meu irmão. Dormindo. Não houve sofrimento. Apenas se foi.

Recentemente perdi minha mãe. Já a estava perdendo há anos, vítima de Alzheimer. Aí eu conheci outro aspecto da morte. A morte em vida. A impotência de não poder ter controle de seu próprio corpo. A tristeza de não saber em que ano se está, com quem se está falando. Foram anos de sofrimento, aliviados pela presença constante de minha irmã, cuidadora em tempo integral. Mas ela se foi, para seu merecido descanso.

Pensar na morte nos faz pensar na vida. Naquilo que fizemos ou deixamos de fazer. Qual a razão para isso, para nascermos, nos desenvolvermos e depois morrermos? Não vou entrar aqui na seara de religião e de filosofia. Seguimos a linha como todos os seres da natureza, no ciclo infindável do nascer/viver/morrer. Essa é a regra para todos, por mais que alguns teimem em buscar métodos para o prolongamento de sua vida.

Gosto de pensar que minha imortalidade está garantida nas coisas boas que fiz na vida, naquilo que consegui deixar como marca nas pessoas que conheci. E gosto de pensar principalmente que minha imortalidade está na continuidade do meu “eu” nos meus filhos, que carregam, dentro de si, por menos que seja, um pouco de mim. Da mesma maneira que carrego um pouco de meu pai e de minha mãe.

E assim vou vivendo, até que ela chegue. De repente ou lentamente, sei lá. Cabe a ela decidir. Mas a encontrarei sorrindo e sem lamentos, pois vivi a vida que tinha que ser vivida. Nem um pouco a mais, nem um pouco a menos. A conta certa e justa. Como todo mundo.

DIMAS ROCHA
Enviado por DIMAS ROCHA em 17/07/2012
Código do texto: T3782895
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