A CEGA E EU

Final de tarde...Na parada do ônibus... algumas preocupações, e creio, talvez por isto um tanto mais sensível... Estava para subir no ônibus e havia o habitual alvoroço de quando tem muita gente para subir, e outro tanto para descer...

Eu carregada de pacotes também procurava uma brechinha, para entrar depressa, entre nem quase esperando os que descem, mas sem querer buscular os que estavam à meu lado... e ainda, ganhar a vantagem do subir entre os primeiros, a fim de pegar um lugarzinho sentada com a minha carga...

E na amontoação dos “descem” e “sobem”... percebi que também entre tantos, na expectativa de subir, uma jovem, com ar adolescente, um pouco atrás e quase à meu lado olhava em minha direçao... Que lindos olhos, grandes, redondos, esverdeados e brilhantes...Mas ...não! O olhar estava um pouco no ar... ou o quê?...brilhantes, sim; mas um pouco estáticos... então percebi uma outra moça do seu lado também levada pela mesma pressa do “não perder tempo, e ganhar vantagem”, à puxa-la para entrar na porta mais atrás, pois, já mais desimpedida (em certos países, os ônibus tem 3 a 4 portas largas de entrada e saída ao mesmo tempo)... observei então, que a jovem tinha uma bengala à mão... ah, era cega!! Mas como podia com olhos tão magnificos e rutilantes?... A moça que guiava entrou preciptadamente na frente, e ela ficando alguns metros atrás, já bem habituada e treinada com a sua situação “sentiu” a direçao indicada e sem perturbar-se, tornou para o lado à porta mais atrás, e com a bengala sentiu (viu, né?) os degraus e subiu para dentro do ônibus... Aquela luz maravilhosa (e ao mesmo tempo apagada) do seu olhar, mexeu comigo, foi como um flash nos meus sentimentos de compaixão... tive vontade de voltar rapidamente atrás dela e dizer-lhe : - Ei, voce sabe, um dia você verá a luz como eu! Verá também as pessoas das quais só escuta a voz, as àrvores, os animais, a cor do céu, a luz..as estrelas...Um dia você correrá, e sem nenhum medo de esbarrar em algum obstáculo... Irá então jogar esta tão preciosa bengala (seus olhos verdadeiros atuais) no lixo!... E eu já me sinto até em euforia, de pensar na sua explosão de alegria... Ah, como eu queria lhe dizer! E num antegosto e júbilo, compartilhar agora, este momento do futuro...

Mas me detive... sim, diante de minha covardia... o momento não me parecia adequado...desta vez pensando na sua reação... talvez, um sorriso condescendente... à pensar que sou demente... ou tola demais para crer! E talvez me respondesse à maneira do Mario Quintana: - “Milagre, é acreditar em tudo isto” !

Fiquei quieta no meu canto... Nem olhei para trás... Em pé junto à porta em que entrei, escorada e carregada com meus pacotes; não havia nenhum assento livre; o ônibus estava um tanto lotado e deu saída... E no meu canto, chorei... chorei a desgraça alheia... e tanta juventude e beleza presa à um bastão... e pensei que em alguns casos a beleza até parece vã... seria mesmo... ou o quê??... disfarcei as lágrimas...e quase tive mais pena de mim!.. Pois, tinha agora neste momento, a minha dor e a sua..

Rose Galvao
Enviado por Rose Galvao em 15/07/2012
Reeditado em 28/07/2012
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