PROMESSA PARA OS SANTOS
Nasci laçado e, por isso, o nome de Antônio. Tempos depois, eu perguntei a minha mãe:
- Mãe, por que Raimundo como primeiro nome e não Antônio, já que eu nasci laçado?
Ela disse:
- Meu filho, você nasceu numa segunda-feira, ao meio-dia. Sofri, antes, dois dias e meio, com duas noites, para lhe ter. Nesse meio tempo, a chaleira, cheia de água, e os panos quentes nunca deixaram de estar no fogo de lenha, assim como os terços nas mãos das vizinhas, minhas comadres, em rezas. Quando, finalmente, você pôs a cabeça para o lado de fora, a parteira, que era comadre Maria, descobriu que você estava laçado pelo cordão umbilical. Na mesma hora, foi um corre-corre danado, pois a situação era grave. Eu perdendo muito sangue, quase sem forças, e você já todo roxo. As comadres mandaram fazer promessas que se o menino conseguisse nascer com vida, chamar-se-ia Antônio, que era para não morrer enforcado.
- E não tinha ninguém além das mulheres? – perguntei-lhe, intrigado.
Os compadres estavam todos sentados nos tamboretes do alpendre, disseram-me depois. Eles mascavam fumo, olhavam o horizonte escaldante, sem dizerem uma só palavra – escutando as rezas das mulheres e os gemidos de quem estava sentido as dores – e cuspiam em direção aos cachorros, enxotando-os do pátio onde estavam deitados. Mas, na verdade, eles estavam era nervosos, pois quando comadre Rita teve a menina Isabela, aconteceu do mesmo jeito e, depois, um disse que fazia aquilo “que era para espantar o nervosismo”.
- Certo, mamãe. Mas ainda não me respondeu a minha primeira pergunta, disse-lhe eu.
Ela, pacientemente, sem deixar de lado as suas lembranças, continuou:
- O problema de quem nasce laçado é que pode morrer afogado também. Então, fizemos mais uma promessa que, se o laço fosse tirado, e você saísse com vida, o nome de Antônio não seria mudado de jeito nenhum, que era para você não morrer afogado no açude aqui detrás de casa – quando crescesse e fosse tomar banho -, ou no rio de Açu, quando você fosse atravessá-lo para ir para a feira aos sábados.
Nesse momento, eu me lembrei de que, quando menino, tomava banho no rio Açu, no açude detrás da casa onde eu morava, ou até no cacimbão em que se retirava a água para “aguar” o plantio de milho - quando da estiagem do ano - e nunca tivera medo de acontecer alguma coisa... Os santos me protegiam o tempo todo.
Voltei o meu pensar para as palavras da minha genitora no momento em que ela voltava ao seu passado:
- Já quase sem forças, eu me lembrei de invocar São Raimundo, que é o patrono e o protetor das parturientes e das parteiras. Disse para comadre Maria, quase sem voz, que ela rezasse para o santo e pedisse para que ele guiasse o meu parto e me deixasse com vida que, se tudo corresse bem, eu botaria o nome do menino de Raimundo.
É claro que aceitei as explicações (e eu sou doido de ir contra mãe ou os Santos!), mas fiquei “encucado”. Ela disse que o nome é Antônio porque eu nasci laçado (e que quem nasce laçado e não bota o nome de Antônio, morre enforcado ou afogado) e acrescido de Raimundo que foi a invocação dela (e da parteira) na hora do “aperreio”. Ou seja: um santo protege de uma coisa e, o outro, protege de outra.
Até aí eu tinha entendido as explicações, porém o que estava duro de entender era o porquê, então, de eu me chamar Raimundo Antonio e não Antonio Raimundo, se realmente fosse pela ordem das promessas e das crenças.
E mais: pelas minhas contas tinham sido feitas três promessas. Só para Santo Antonio foram duas. Então, o lógico seria que o meu nome fosse Antônio Antônio (ou Antônio duas vezes) Raimundo.
Desta vez, ela não soube me responder. Simplesmente disse: sei lá! E saiu de perto de mim cantando: “Venha de onde vier, chegue de onde chegar, encontrará Cinderela...”.
- Tem nada não, mamãe! – eu lhe disse, falando um pouco mais alto para que ela ouvisse. Sou feliz com estes nomes e com os santos também. Bota nome quem pode, recebe-o quem tem juízo e, pelo sim ou pelo não, conselho e canja de galinha, quando dados com boa vontade, principalmente em promessa, não fazem mal a ninguém!
Obs.: Agora, imagine: e se eu lhe disser que, na verdade, o santo que nos livra de afogamentos é São Patrício? Bem, uma coisa daria como certa: se a minha mãe tivesse levado em conta todos os santos invocados, ao ser batizado, eu teria recebido uma mistura (ou uma associação) de três nomes próprios que, pela ordem das promessas, seria: Antônio Patrício Raimundo. É... Até que não teria ficado muito estranho...
Obs. Imagens da Web.
Nasci laçado e, por isso, o nome de Antônio. Tempos depois, eu perguntei a minha mãe:
- Mãe, por que Raimundo como primeiro nome e não Antônio, já que eu nasci laçado?
Ela disse:
- Meu filho, você nasceu numa segunda-feira, ao meio-dia. Sofri, antes, dois dias e meio, com duas noites, para lhe ter. Nesse meio tempo, a chaleira, cheia de água, e os panos quentes nunca deixaram de estar no fogo de lenha, assim como os terços nas mãos das vizinhas, minhas comadres, em rezas. Quando, finalmente, você pôs a cabeça para o lado de fora, a parteira, que era comadre Maria, descobriu que você estava laçado pelo cordão umbilical. Na mesma hora, foi um corre-corre danado, pois a situação era grave. Eu perdendo muito sangue, quase sem forças, e você já todo roxo. As comadres mandaram fazer promessas que se o menino conseguisse nascer com vida, chamar-se-ia Antônio, que era para não morrer enforcado.
- E não tinha ninguém além das mulheres? – perguntei-lhe, intrigado.
Os compadres estavam todos sentados nos tamboretes do alpendre, disseram-me depois. Eles mascavam fumo, olhavam o horizonte escaldante, sem dizerem uma só palavra – escutando as rezas das mulheres e os gemidos de quem estava sentido as dores – e cuspiam em direção aos cachorros, enxotando-os do pátio onde estavam deitados. Mas, na verdade, eles estavam era nervosos, pois quando comadre Rita teve a menina Isabela, aconteceu do mesmo jeito e, depois, um disse que fazia aquilo “que era para espantar o nervosismo”.
- Certo, mamãe. Mas ainda não me respondeu a minha primeira pergunta, disse-lhe eu.
Ela, pacientemente, sem deixar de lado as suas lembranças, continuou:
- O problema de quem nasce laçado é que pode morrer afogado também. Então, fizemos mais uma promessa que, se o laço fosse tirado, e você saísse com vida, o nome de Antônio não seria mudado de jeito nenhum, que era para você não morrer afogado no açude aqui detrás de casa – quando crescesse e fosse tomar banho -, ou no rio de Açu, quando você fosse atravessá-lo para ir para a feira aos sábados.
Nesse momento, eu me lembrei de que, quando menino, tomava banho no rio Açu, no açude detrás da casa onde eu morava, ou até no cacimbão em que se retirava a água para “aguar” o plantio de milho - quando da estiagem do ano - e nunca tivera medo de acontecer alguma coisa... Os santos me protegiam o tempo todo.
Voltei o meu pensar para as palavras da minha genitora no momento em que ela voltava ao seu passado:
- Já quase sem forças, eu me lembrei de invocar São Raimundo, que é o patrono e o protetor das parturientes e das parteiras. Disse para comadre Maria, quase sem voz, que ela rezasse para o santo e pedisse para que ele guiasse o meu parto e me deixasse com vida que, se tudo corresse bem, eu botaria o nome do menino de Raimundo.
É claro que aceitei as explicações (e eu sou doido de ir contra mãe ou os Santos!), mas fiquei “encucado”. Ela disse que o nome é Antônio porque eu nasci laçado (e que quem nasce laçado e não bota o nome de Antônio, morre enforcado ou afogado) e acrescido de Raimundo que foi a invocação dela (e da parteira) na hora do “aperreio”. Ou seja: um santo protege de uma coisa e, o outro, protege de outra.
Até aí eu tinha entendido as explicações, porém o que estava duro de entender era o porquê, então, de eu me chamar Raimundo Antonio e não Antonio Raimundo, se realmente fosse pela ordem das promessas e das crenças.
E mais: pelas minhas contas tinham sido feitas três promessas. Só para Santo Antonio foram duas. Então, o lógico seria que o meu nome fosse Antônio Antônio (ou Antônio duas vezes) Raimundo.
Desta vez, ela não soube me responder. Simplesmente disse: sei lá! E saiu de perto de mim cantando: “Venha de onde vier, chegue de onde chegar, encontrará Cinderela...”.
- Tem nada não, mamãe! – eu lhe disse, falando um pouco mais alto para que ela ouvisse. Sou feliz com estes nomes e com os santos também. Bota nome quem pode, recebe-o quem tem juízo e, pelo sim ou pelo não, conselho e canja de galinha, quando dados com boa vontade, principalmente em promessa, não fazem mal a ninguém!
Obs.: Agora, imagine: e se eu lhe disser que, na verdade, o santo que nos livra de afogamentos é São Patrício? Bem, uma coisa daria como certa: se a minha mãe tivesse levado em conta todos os santos invocados, ao ser batizado, eu teria recebido uma mistura (ou uma associação) de três nomes próprios que, pela ordem das promessas, seria: Antônio Patrício Raimundo. É... Até que não teria ficado muito estranho...
Obs. Imagens da Web.