RASCUNHO

RASCUNHO

"Escrevemos o Anti-Édipo a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante. Distribuímos hábeis pseudônimos para dissimular. Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E, finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma maneira de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU. Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus. Fomos ajudados, aspirados, multiplicados". (Deleuze e Guattari, 1995: 11)

Ratos roem caixas e livros na escura e mal iluminada sala que se alonga feito corredor, por ela se avista a fila de prateleiras que se equilibram no vazio sobre a cidade. Nu Adão alonga o corpo criado e vai além do orgasmo único e solitário tendo os olhos pregados num vulto que não se distingue daqui. Melhor que se feche essa porta, os navios estão partindo do estaleiro numa ordem que se faz urgente compreender dada a complexidade das linhas estabelecidas desde Marco Polo. E é um misto de água e ar as vias percorridas, os barcos seguem em T e os balões em C o que, no mapa das rotas, nos garante um organograma que faz inclinar o plano para que seja permitido aos organizadores do comércio controle da chegada. Ao receber a âncora desse transporte megatrônico uma funcionária magra e tailandesa nos ensina com paciência a destreza da seleção do momento certo em que deve prender as alças que pendem e fixar a embarcação à terra firme. Tudo está garantido no mundo, fez isso a vida toda. Repete a manobra e ficamos sabendo que não se pode fazer mais que garantir o próprio sustento o sucesso. A volta se faz sobre o mesmo vazio, entre as prateleiras, sobre os livros num elevador que desliza em cordas de metal. É possível comprar ácido prússico ou Nitroglicerina em tonéis porque assim ficam armazenados, também em prateleiras, nos andares gigantescos de navios que parecem deslizar na flor da água. A vossa excelência, ausente em toda célula, em cada sala, em todo silêncio enfim ordena que a fila seja organizada segundo a importância da função a cada vinte e oito dias e sou promovido, não chego a tempo de ver o show da Madona e penso na infelicidade verdadeira da fã que chora a ausência de um autógrafo.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 15/07/2012
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