Fatos da Vida

Era uma festa democrática. Era um dia de comício.

O povo, formado de pessoas simples da zona rural, e de baixa escolaridade, aparecia festivo, radiante e curioso para participar da quadrienal festa de cidadania, civilidade e fartura, que ora se instalara na única praça pública de Boa Sorte, onde se tinha a finalidade de dizer à população os próis e os contra da política local.

Um espetáculo dantes visto, porém, adormecido na consciência de todos.

Um grandioso churrasco fumegava numa vala cheia de brasas, e o povo se acotovelava numa fila interminável na ansiosa espera por um pedaço de bife ou um gole de cachaça, pois tudo era de graça.

A música fluía contagiante dos acordes de uma sanfona, tempo em que pequenos grupos cantavam e agitavam bandeiras e flâmulas frente a um pequeno palanque provisoriamente erguido sobre alguns tonéis de aço que esperava por seus ilustres ocupantes: que não tardaram a chegar e, dentre eles o senhor João Tadeu: um distinto indivíduo de muito conhecimento da vida, mas de pouca cultura, porém, o mais eloqüente orador do lugar e, por isso, o candidato mais preferido do eleitorado.

O locutor do alto-falante garbosamente apresentava cada elemento que subia ao palanque, momento em que a multidão acatava com uma estrondosa ovação, vibrante e festiva, em meio à comilança e bebedeira.

Os candidatos sucediam-se com promessas e falatórios e, por fim, a vez do tão esperado João Tadeu, que no uso de sua palavra conseguia driblar a consciência dos incultos ouvintes com sua invejável eloqüência recheada de sentido dúbio, de metáforas e de parábolas. E foi no decorrer de sua agitada oratória que assim ele se expressou:

“ .... pois é, meus amigo, no dia em que eu tomar posse vai começar a chover na horta (vai melhorar)

Aplausos

.... quem não anda pra frente, volta pra traz. Temos que nos mexer desse atoleiro (agir).

Aplausos

.... enquanto que tubarão só dorme em colchão de mola, vocês só dormem em cama de pau duro (cama de vara).

Aplausos

.... vamos plantar melhor para colher o futuro. A terra é nosso limite (esperança).

Mais Aplausos

E prosseguiu com seus falatórios e aplausos tempo afora, até que em dado momento um de seus adversários - que estava no meio da platéia -, gritou em alto e bom som:

– Cala essa boca, ai, seu jumento!

A resposta de João Tadeu foi instantânea e precisa:

– Jumento é a vaca da sua mãe!

Este foi o limite, o horizonte, o ápice da lendária rivalidade que há décadas imperava em Boa Sorte

Fim de comício. Nascimento da discórdia. Começo de brigas.

Os partidários de João Tadeu saíram de casa em casa e de porta em porta desacatando a todos os rivais, e inúmeras brigas, de tapas e pontapés, rolaram nas calçadas, ruas e botecos, e tudo só terminou quando João Tadeu, temeroso por um massacre, acordou uma trégua com seu adversário, e ambos passearam de mãos dadas perante a população de Boa Sorte.

E a paz voltou. E João Tadeu virou prefeito.

– São fatos da vida!

Disse o locutor entre gargalhadas.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 11/02/2007
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