Nossas tempestades
Ninguém sabe o por que; normalmente guardamos, literalmente, pequenos “souvenirs”, para conservarmos na memória os grandes momentos; mas ela guardou uma bacia enorme, uma bacia onde banhava a pequena criança; quando todos os pecados eram purgados, todas as manchas eram diluídas e o pequeno chegava a todas às outras margens... a nado: ela a capitã e ele o grumete.
Ninguém sabe que naquela garagem de “souvenirs”, quando sozinho, ele enchia novamente a bacia e em um barco de papel percorria a rota que sua imaginação fingia, e que para a capitã, antes era ousadia.
Um ventilador, ao nível da bacia, marcava a tempestade, palitos de dente quebrados conferiam os danos causados pela tempestade, e tudo que não podia molhar, agora no mar, contava o quanto dele era poroso, o quanto dele se encharcava, o quanto dele naufragava.
O ventilador, indiferente a tudo e a todos que iam ao fundo, girava, girava e girava, insensível, revelando estar fora da bacia.
A capitã já não existia, o grumete apenas se submetia, até que esgotado, desligou aquele moinho, causador de maremotos; as hélices silenciaram-se, o navio de papel molhado ainda estava flutuando, e com um dedo voltou à sua posição de navegar; a lâmpada foi acesa e dela se fez o sol que secou somente a água atrevida; ainda havia o transporte, a força para navegar e possibilidades de novas rotas.
Um dia ainda faria daquela bacia uma jardineira, onde plantaria dálias, as hélices do ventilador, agora sem fio, somente se movimentariam ao sabor do vento suave que invadia a garagem e perguntou-se: -Quantas tempestades eu fiz? Quantos navios eu afundei? De quantas dálias eu tirei o canteiro?