Opções, preferências, orientações e outras alternativas
Recentemente uma amiga me perguntou: "Como posso ter certeza que não sou lésbica ou, ao menos, bissexual, se nunca experimentei...?"
Ao pé da letra, experimentar é 'ensaiar', 'verificar qualidades', 'pôr à prova', 'adquirir conhecimento pela prática da observação ou exercício'; certeza é 'conhecimento'. E infere-se que uma experiência com finalidade de novo conhecimento deverá servir à seleção entre o conhecimento anterior e o adquirido ou à alternância da prática entre um e outro.
Se no sentido fisiológico as pessoas tem sua identidade sexual definida a partir da presença de órgãos sexuais característicos de cada gênero, o mesmo não ocorre com o sexo psicológico. Estudos recentes mostram que a tendência sexual começa a se desenhar e/ou manifestar mais ou menos aos sete anos de idade - motivo este que tornaria o termo 'opção sexual' inadequado, uma vez que neste período a criança não possui capacidade avaliativa para 'escolha'.
Por sua vez, a identidade sexual de um humano indica a percepção individual sobre o gênero que ele percebe para si mesmo - pode ser exclusivamente masculina ou feminina ou manifestar uma mistura entre a masculinidade e feminilidade, admitindo várias categorias.
Didaticamente, a 'orientação sexual' de uma pessoa indica por quais gêneros ela se sente atraída, seja física, romântica e/ou emocionalmente. Daí, ela pode ser assexual (nenhuma atração sexual), bissexual (atração pelos gêneros masculino e feminino), heterossexual (atração pelo gênero oposto), homossexual (atração pelo mesmo gênero) ou pansexual (atração independente do gênero - sendo o termo uma espécie de negativa do conceito binário masculino/feminino).
Assim, os termos 'opção' e 'preferência' também perdem sua utilidade para adultos: ainda não encontrei ninguém que tenha 'preferido' ser heterossexual, homossexual ou bissexual. De fato, perguntei a um amigo gay o que ele pensa disso; ensimesmadamente o rapaz me respondeu: "Ninguém, em sã consciência e de bom grado, escolhe para a própria vida algo que faça experimentar tantas - e quase sempre frustrantes - dificuldades".
(Bem no meio dessa conversa, explico: gosto de homens. E prefiro-os sem excesso de músculos ou arrogância, com gentileza mesclada à atitude, senso de humor inteligente - rir junto é afrodisíaco! -, olhos curiosos, mãos quentes e coração, também... E como sei que cafajestes e idiotas não me suportam - e afinidades existem ou nada feito - procuro ser justa e evito pedir deles o que não podem me dar.)
Assim é que discursos apologéticos sobre sexualidade, especialmente os que enaltecem o direito à 'opção' ou 'orientação' sexual, só não me fazem chorar porque prefiro rir. E já perceberam que os teóricos se remexem todos, mas não conseguem descobrir - ou criar - um termo simples e correto para conceituar a situação?
Mas a impressão que guardo é que não podemos mais ser simples ou corretos. O indivíduo não pode mais gostar de misto quente: tem que apreciar pão integral, queijo cheddar e presunto light; tampouco dá-se o direito de curtir o bom e velho 'papai/mamãe', pois tem que se virar em quatro para executar o 'canguru perneta', a 'saracura no brejo', o 'porquinho no espeto'... Ora (dizem), se a vida é curta, curta! Revertem até o 'tudo vale a pena, se a alma não é pequena'...
Acaba que neste mundo sem porteira o gado se encontra em situação meio difícil: tem que ser - e parecer! - saudável, bonito, inteligente e sexualmente ativo, sem, no entanto, ser inflexível quanto a algumas certezas e experimentar e experimentar e experimentar pelo simples fato de se afirmar enquanto 'homo experimenter' - e para tanto, talvez deva apenas ser bovinamente inteligente. Em suma: a criatura tem que estar disposta ao matadouro.
A moça meio confusa tem trinta e seis anos e não se considera inocente, porém talvez seja mais uma vítima desse sistema hedonista e falsamente polifacetado, que pretende tratar adultos como crianças a quem se oferece um pirulito quando elas questionam o porque de certas coisas.
Quem pergunta quer respostas. Na ocasião, pedi à moça que fechasse os olhos e se imaginasse em estado de conforto e segurança, sozinha num ambiente agradável e controlado; orientei-a a permitir entrar no local uma pessoa desconhecida, sem corpo, rosto ou voz definidos, e que, com mãos enluvadas, a tocasse de forma não agressiva, sensual e sexualmente gratificante.
Deixei que ela caminhasse na fantasia, depois lhe disse: "Agora que sabe de qual corpo - masculino ou feminino - sentiria falta numa situação assim, talvez saiba se precisa ou não 'experimentar'... Mas creio que complicado, mesmo, é não sentir falta de corpo nenhum".
A vida é para além do aprendizado e para quem se pretende capaz de experimentar e escolher. Mas, como é improvável fazer revolução em abatedouros, não abro mão de me sentir confortável por ter algumas certezas.
Certas experiências não me merecem e ficar pendurada num açougue seria meramente improdutivo.