As Orelhas
 
       
      Muito já se escreveu sobre orelhas, e até em orelha de livro. Bem que merecem, pois muitas palavras foram acolhidas por elas, antes que se percam ao vento, conforme a predição: “verba volant, scripta manent” (as palavras voam, as escritas permanecem). E, se as palavras não voam, é porque, antes de escritas, foram ouvidas.  O bom senso recomenda usar mais os ouvidos do que a boca: ouvir mais do que falar, sobretudo nas discussões. E lá vem o provérbio de Disraeli: “A natureza nos deu dois ouvidos, mas uma só boca”.  Ao contrário, também espalham um macaco tapando os ouvidos, simbolizando que quem escuta se compromete...  Há outras funções para as orelhas. As minhas, por exemplo, auxiliam permanentemente o nariz como apoio aos óculos. Mas, para outras pessoas vaidosas, servem permantemente de mostruários de joia ou para engancharem brincos e piercings.

      Ninguém gosta de ser apelidado de “orelha de concha”, mesmo se as orelhas se definam como conchas auditivas. Lembro-me de Alberto, xingando a mãe de quem  o chamasse “orelha de abano” , e do intelectual Jeremias quando o apelidavam de “entre aspas”; em casa,  ele culpava injustamente a mãe pelos puxavantes de orelha...   A apelidação se dá, lembrando o formato ou o tamanho dessas conchas: pequenas, como as de Gaspar, não dispensando um soco a quem lhe gritasse “orelha de cobra”; ou grandes, tachadas de orelhões, tais quais as conchas dos telefones de rua. Enfim, denominar alguém de orelha ou “oreia” é hipertrofiar pedaços do corpo de modo descomunal e ofensivo.
      
      Como idealizar uma orelha esteticamente perfeita?  Os fonoaudiólogos tratam da audição, da fonação; os otorrinolaringolistas, das patologias.  Mas há quem se consagre à beleza das orelhas, reformando-as com o bisturi, a gosto do incomodado. Tenho consolado os calvos, esclarecendo-lhes que os cabelos protegiam os primitivos do frio nas cavernas; hoje, não são mais necessários, por isso sendo a queda de cabelo natural e própria da evolução do homem; os cabeludos debocham...  Mas, persisto, até recorro à orelha para argumentar que tudo é uma questão de compleição da maioria. Se a anatomia de todos fosse sem as conchas auditivas, com certeza, quem nascesse com orelhas não “ficaria de orelhas baixas”, logo as cortaria pela força do mimetismo coletivo.  Por enquanto, segundo Marcos, 4, 9 - 10, “quem tem ouvidos para ouvir ouça”, especialmente se eles são grandes como os do elefante ou aguçados como os do morcego.